domingo, 30 de outubro de 2016

GENTES DE MELGAÇO
(micro-biografias)


Por Joaquim A. Rocha


parte da quinta da Orada e Galiza


ABREU, José Joaquim (Dr.) Filho do Dr. José Joaquim de Abreu e de Augusta Maria de Araújo, proprietários, moradores no lugar de São Gregório, freguesia de Cristóval. Neto paterno de Miquelina Rosa de Abreu; neto materno de José Joaquim de Araújo e de Benedita Pires Pereira. Nasceu em Cristóval, Melgaço, a 4/1/1906, e foi batizado na igreja católica a 12 desse mês e ano. Padrinhos: José Joaquim de Araújo, viúvo, negociante, e Matilde Gonçalves de Araújo, casada, proprietária, representada por António Augusto de Araújo, viúvo, proprietário. // A 26/7/1917 fez exame do 1.º grau, terceira classe, e obteve a classificação de ótimo; era aluno do professor Abel Nogueira Dantas (Jornal de Melgaço n.º 1169, de 4/8/1917). // Em Julho ou Agosto de 1918 fez exame do 2.º grau, quarta classe, ficando aprovado com distinção (Jornal de Melgaço n.º 1220, de 24/8/1918). // Concluiu o curso de Direito, na Universidade de Coimbra, em 1931. // Em 1933 abriu escritório de advogado na Rua da Calçada, Vila de Melgaço (Notícias de Melgaço n.º 182, de 5/2/1933). // Em 1936 foi nomeado Conservador do Registo Civil de Santa Cruz da Graciosa, Açores (Notícias de Melgaço n.º 303, de 1 de Março). Foi também Conservador dos Registos Civil e Predial em Melgaço; tomou posse na sala da audiência do tribunal judicial da comarca de Melgaço a 3/12/1938; essa posse foi-lhe dada pelo delegado do Procurador da República, Dr. Abel de Campos Carvalho. // Foi promovido à 2.ª classe em 1957. // Casou a 29 de Julho de 1933 na Conservatória do Registo Civil de Melgaço e no dia seguinte na capela da Orada, com a professora do ensino básico, Duartina Rosa, de 27 anos de idade, na altura a lecionar na escola do ensino primário em Cubalhão, filha de José Bento Domingues e de Ana Maria Rodrigues, castrejos, donos da Quinta da Orada, sita na freguesia de Santa Maria da Porta. // Dizem que «filho de peixe sabe nadar» e este não escapou à regra: mulherengo exibicionista, teve como concubina uma das filhas da “Maria das Adegas”, além de ter outras amantes ocasionais, espalhadas um pouco por todo o lado! // Gerou polémica com os padres Vaz, residentes em Braga, proprietários de “A Voz de Melgaço”, além de conflitos que manteve com cão e gato. Para alguns conterrâneos tornou-se uma ameaça, pois, devido à profissão que exercia, tinha direito a usar arma de fogo, a qual usou certa altura para ameaçar um candidato a namorado da sua amante. Publicou diversos artigos no jornal “República” e “Notícias de Melgaço”, em tom bastante agressivo e assaz irónico, que posteriormente compilou e editou em livro: «Denúncia Caluniosa» (1957); «Padres Incríveis» (1976); e «Magistrados Indesejáveis» (1977). // Dizia-se republicano, mas alinhava em comezainas com os amigos do regime corporativista de Salazar e Marcelo, até com os agentes da PIDE! O “Notícias de Melgaço” n.º 556, de 14/9/1941, dá-nos conta da sua participação numa homenagem ao chefe dessa polícia política do Peso, Paderne, – brindou e elogiou! // Apesar de tudo, há quem afirme que foi um bom advogado, conhecedor das leis e competente. // Faleceu na Vila de Melgaço a 17/12/1979. // Pai de Rui de Abreu.         

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

SONETOS


Por Joaquim A. Rocha





NO PARAÍSO

(134)

 

Adão e Eva não sentiam vergonha,

Apesar dos corpos estarem nus;

Brincavam, como o sol faz com a luz,

Pairavam lá no alto, tal cegonha.

 

Estavam cheiinhos de doce engonha,

Tal como os mansos patos e perus;

Não laboravam como os ratos mus,

No Éden só se espera, ninguém sonha!

 

A serpente, esposa do demónio,

Lamentava aquele viver sem rumo,

O não acumular de património…

 

Por mais que espremesse nada dá sumo,

Não se extraía nota desse harmónio…    

Nem no cofre se via um reles numo.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

QUADRAS AO DEUS DARÁ 


Por Joaquim A. Rocha





Se tens, Gil, tanto dinheiro,

E vives pior do que eu;

Iludes o mundo inteiro,

Ou és avaro judeu.

 
*
 

A geada queima a flor,

A raiz não queima não;

As flores estão à tona,

A raiz no coração.

 
*

Para mim usas chicote,

Para ele usas mel;

Talvez por eu ser fiel

E ele ser malandrote.

domingo, 23 de outubro de 2016

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha







FESTA DA CULTURA 1994

 
 
     Este ano correu-se o risco de não haver festa. As chuvas apareceram inesperadamente no dia 8, segunda-feira, e só resolveram abandonar o concelho de Melgaço no dia anterior ao início da mesma, ou seja, no dia 11. As temperaturas, ao contrário do que é habitual em anos anteriores, baixaram até aos dez graus! As manifestações festivas duraram quatro dias: 12 a 15 de Agosto. No primeiro dia, logo pelas nove horas da manhã, apareceram os gaiteiros de Parada do Monte; percorreram as ruas da vila, alegrando e contangiando com a sua música caraterística toda a gente. Às dez horas procedeu-se à abertura das exposições no edifício dos Paços do Concelho e Largo Hermenegildo Solheiro. O que mais chamava a atenção era a obra artística de Óscar Marinho, miniaturas em latão e bronze de vários monumentos de Melgaço: igreja da Misericórdia, igreja matriz, antiga praça do peixe, etc. O nosso conterrâneo atingiu uma perfeição quase inultrapassável, só visto!

     O jovem Carlos de Oliveira vêm-nos surpreendendo, ano após ano, com a sua pintura sobre cerâmica. Os temas são diversos, mas privilegia sobretudo a mitologia e a vegetação. A matéria-prima utilizada é a goma-laca, fio de linho, apliques de madeira, pimentos naturais, etc. Os objetos: vasos, cântaros, jarras, bilhas, ânforas, etc., depois de acabados são verdadeiras maravilhas. A seu lado, expuseram as irmãs «De Lima’s»; os seus trabalhos artísticos sobre vidro impressionam pela sua fragilidade e beleza.

         Uma exposição de arte-sacra, suponho que da responsabilidade de Eunice Afonso, com a colaboração da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço, brilhava pela sua singeleza e recatamento. Num folheto, que se encontrava dentro dum cacifo ali perto, podia ler-se: «Encontram-se (as peças) num estado de conservação muito aceitável, o que permitirá às gerações futuras admirá-las como as admiramos nós durante estes dias

     O que eu mais gostei de ver foi a velha matraca da Misericórdia; quando era rapaz, juntamente com outros moços, percorria com ela as ruas, matraqueando sem cessar. Isto acontecia nos três últimos dias da Semana Santa. Apesar de pesada para a nossa idade, lá íamos aguentando!

     A Palestra Cultural, no salão da Biblioteca Municipal, estava prevista para as dez horas e trinta minutos mas só começou por volta das onze horas. A primeira pessoa a falar foi a Dr.ª Alexandra Lima. Dissertou sobre as verandas e inverneiras em Castro Laboreiro. Trata-se de um assunto já bastante estudado, mas que não cansa, embora a oradora se sinta mais à vontade a investigar do que a discursar. Em segundo lugar ouviu-se o Dr. António Batista. Escolheu o tema «Arqueologia no Planalto de Castro Laboreiro – Uma Arqueologia da Paisagem». Tem o dom da palavra, este senhor! Elucidou-nos sobre todos os achados arqueológicos e a sua importância no panorama nacional e ibérico; mostrou slides, explicou, convenceu. Falou-nos de arte rupestre, figuras megalíticas, de um futuro museu. Ficamos todos mais ricos culturalmente depois de escutá-lo. A seguir foi a vez do padre Aníbal Rodrigues: mimoseou o auditório com uma belíssima lição – narrou-nos a história do castelo de Castro Laboreiro, a sua fundação por São Rosendo, a fim do povo se poder defender dos mulçulmanos; a tomada do castelo por Afonso Henriques e um punhado de homens em 1141; as suas diversas reedificações ao longo do tempo; a sua destruição prematura no século XVII devido a uma faísca que caiu no paiol da pólvora. Segundo o orador, ainda em 1640 esse castelo teve um papel importante, ajudando o país a ver-se livre da dinastia filipina. Por último, de forma simples mas erudita, discursou o Dr. Alberto de Abreu, versando o tema «Melgaço na Idade Média – a importância das feiras medievais no contexto sócio-económico da época.» A feira de Melgaço é das mais antigas do país, pois já no tempo do nosso primeiro rei Melgaço era um burgo, isto é, uma povoação importante, na qual se movimentavam muitos mercadores de fora do concelho. Aí se vendia toda a espécie de produtos: gado, tecidos, alfaias agrícolas, etc.

     Quando Portugal surge como nação, já a idade média levava uns bons seiscentos anos de vida, contudo ainda iria durar mais quatro séculos! Melgaço nesse período cresceu, decaiu e voltou a crescer. Depois veio o Brasil, a África, a Ásia, e a nossa terra mergulhou na obscuridade. Até aos nossos dias tem dormido o seu sono letárgico, do qual parece querer finalmente acordar!        

     Esta festa anual tem como principal objetivo dar a conhecer ao país a nossa cultura; quem somos, como somos; dar também a conhecer a nossa história. Desejamos que toda a nação nos respeite, nos reconheça, que nos admire, se possível. Para que isso aconteça é forçoso que os melgacenses, sem exceção, se empenhem mais, se comprometam com a sua terra natal. Observei, nas minhas andanças pelo concelho, que muitos conterrâneos estão de costas voltadas para Melgaço! Num território com tão pouca gente é muito mau que assim seja.

     Após a palestra seguiu-se a entrega dos prémios dos VI Jogos Florais. Foram quatro as modalidades a concurso: desenho, poesia, fotografia e prosa. À modalidade de desenho concorreram crianças até aos treze anos de idade. As escolas do ensino básico orientaram a participação. Este ano ganharam as escolas de Paderne e de Chaviães (primeiros prémios); Chaviães e Paderne (segundos prémios); e Vila (terceiros prémios). Em poesia houve três vencedores: Raul Coentro (1.º prémio), José Domingos (2.º prémio), e Joaquim A. Rocha (3.º prémio). Todos os concorrentes vivem fora de Melgaço! Quanto à fotografia o júri atribuiu três prémios e duas menções honrosas, por esta ordem: Isaura Abreu, Celeste Barreiros, João Pinto, Vítor Abreu, e Elisa Igrejas. Na modalidade de texto (prosa) não foi atribuído o 1.º prémio «… por falta de qualidade dos trabalhos apresentados», segundo nos informou o júri. O 2.º prémio contemplou M.ª Julieta Silva, e o 3.º prémio foi atribuído a Francisco Martins. Ambos residem fora do concelho!

     Não pondo em causa a idoneidade do júri (três professores do ensino básico e um do ensino secundário) quero apenas dizer que a escolha é exclusivamente sua, pois nós limitamo-nos a ler os textos vencedores. Por outro lado, com prémios tão pequenos (o 1.º é de trinta e cinco contos de réis) não se pode esperar que surjam Eças ou Camilos. Esse dinheiro não paga as horas que se gastam na investigação, na máquina de escrever, nem o papel que se consome. Dir-me-ão que quem corre por gosto não cansa. Isso é verdade, mas é bom não abusar da generosidade de quem concorre. Podiam ter sido mais diplomáticos, mais elegantes. Que lhes custava ter dito e escrito: «os trabalhos apresentados a concurso não corresponderam ao exigido, assim não foi possível atribuir o 1.º prémio».

     Quero novamente apelar aos residentes que participem, que lutem pelos primeiros lugares. Leiam a história de Melgaço: Fernão Lopes, Alexandre Herculano, Augusto César Esteves, padre Bernardo Pintor, padre Júlio Vaz, padre Aníbal Rodrigues, Prof. Dr. José Marques, etc., e os jornais da terra. Leiam e escrevam poemas. Excetuando o livro do poeta popular Augusto Igrejas, nada se publicou até hoje em poesia! Aos mais jovens peço-lhes que deixem de frequentar tão assiduamente as discotecas, onde desperdiçam tempo, dinheiro e saúde, e dediquem parte do seu ócio às musas.

     Vem-se verificando ao longo dos anos que os premiados não residentes não aparecem em Melgaço para levantar os prémios. Talvez fosse melhor acrescentar ao regulamento do concurso uma alínea nestes termos: a) Os prémios não levantados no ato da sua entrega reverterão a favor dos Bombeiros Voluntários de Melgaço. Desse modo, evitar-se-ia o espetáculo degradante deste ano: dos cinco premiados em prosa e poesia só apareceu um – eu próprio!

     Aqueles que escrevem não são, não devem ser, mercenários. Escrever é uma arte e esta não tem fins lucrativos. Os prémios são apenas estímulos, não pagamento. Por isso, eu acho que os vencedores deverão estar presentes, fazem parte da cerimónia.

     A terminar, os organizadores brindaram-nos com um belo filme sobre Castro Laboreiro. Eu fiquei deslumbrado. Quem pode resistir a tantos encantos? Que pena a cassete não estar à venda!

     Ainda no dia treze, às dezasseis horas, procedeu-se ao XII concurso de vinho alvarinho. O senhor presidente da Câmara, não sei por que razão, não pôde estar presente. A sala de cinema de Miguel Pereira não encheu, devido talvez ao pouco interesse que este tipo de concurso desperta nas pessoas não ligadas à vinicultura. Eu fui lá pela primeira vez e confesso: não gostei. Três especialistas: enólogos e escanções, dois da Direção Regional da Agricultura de Entre Douro e Minho e um da Associação dos Produtores de Alvarinho, provaram o néctar. Muito mais tarde, anunciaram os três vencedores, entre nove concorrentes. Foram eles: 1.º Prémio – Carlos Codesso (Paderne). 2.º Prémio – Alberto Esteves (Prado e Paderne). 3.º Prémio – Carrolo (Penso). Terminada a entrega das taças, o presidente do júri, engenheiro da DRAEDM, dissertou sobre a qualidade dos vinhos apresentados a concurso, fustigando severamente todos aqueles que estão a prejudicar o bom nome desta deliciosa bebida. Disse que havia uma grande diferença de qualidade intrínseca entre os primeiros e os últimos; que produzir alvarinho exige conhecimentos e sensibilidade; se Melgaço quer rivalizar com Monção terá de fazer ainda melhor. Lembrou também que o nosso concelho pode e deve produzir bons vinhos, sobretudo tintos, pois temos bons locais para esse efeito. Quanto a mim, só a Adega Cooperativa, quando ela estiver a laborar, poderá concretizar estas sugestões.              

     À noite, depois das vinte e uma horas e trinta minutos, houve música – muita e sofrível. A Escola de Música Lá, Mi, Ré (Monção e Arcos de Valdevez), por cortesia, ofereceu-nos a Marcha de Melgaço, com letra de Libório Rodrigues Branco e música de António Branco Pedreira: «Com sua graça singela/Cheia de encanto e beleza/Melgaço, terra tão bela,/É jóia bem portuguesa.» Tem mais três quadras e o refrão.

     No sábado, treze de Agosto, a festa começou com provas desportivas. Como me deitei tarde, não pude a elas assistir, daí nada poder escrever sobre as mesmas. De tarde atuou a Escola de Música dos Bombeiros Voluntários de Melgaço e realizou-se um encontro de futebol, tendo o Sport Club Melgacense perdido por 1-2. Segundo a opinião dos entendidos, a nossa equipa não mereceu a derrota. A noite foi preenchida outra vez com música: Banda Plástica de Barcelos e Conjunto de Música Ligeira «Alegretto», de Braga. Foi agradável ouvi-los. O Largo Hermenegildo Solheiro começa a ser pequeno para estas manifestações. E para agravar a situação, o número de pavilhões aumentou e ali ao lado está agora o quartel dos bombeiros!     

     Domingo, dia 14, trouxe-nos a ideia mais bonita da festa: a feira medieval, na zona histórica. Desde a igreja matriz até às portas da vila, ao longo da rua Direita, dezoito pequenos pavilhões mostravam aos olhares surpreendidos e ávidos de novidades, os seus produtos e a maneira como confecioná-los. Os feirantes vestiram trajes medievais e figurantes (nobres, religiosos e plebeus) passeavam pelo centro do burgo, uns a cavalo, outros a pé, cumprimentando cerimoniosamente. Até se fez um casamento (a fingir) e um julgamento (também a fingir). No pavilhão n.º 8 (boticário), encontrava-se o «Tio Gú», chamando a atenção do público para a excelência da sua mercadoria; no pavilhão XIV estava seu filho Adolfo «fabricando» os produtos que seu pai vendia. Havia mel puro à venda, tecia-se e trabalhava-se o linho; bebiam-se uns copos na taberna (por não ter esplanada não lhe podiam cassar a licença), e belas peças saíam das mãos do oleiro; havia também o carpinteiro, o ferreiro, o cambista/penhorista, o latoeiro. Enfim, quase todas as profissões medievais ali estavam representadas. A organização foi da responsabilidade da Câmara Municipal e da Escola Profissional do Alto Minho Interior – pólo de Melgaço. Estão ambas de parabéns. A ideia não deve morrer; pelo contrário, deverá ser desenvolvida. A Idade Média é fonte inesgotável de recursos lúdicos e históricos. Poder-se-á simular a tomada do castelo por D. João I, a luta entre Inês Negra e a Arrenegada, etc. Uma pequena peça de teatro sobre um tema medieval poderá surgir entretanto – quem sabe? Que o espírito de Gil Vicente inspire os nossos criadores, são os meus votos.

     De tarde houve um verdadeiro festival de ranchos folclóricos, portugueses e estrangeiros. Dizer que este ou aquele é melhor do que os outros será cometer uma grande injustiça; todos eles fizeram o possível por agradar e conseguiram-no. Penso que os apreciadores deste tipo de música e dança não ficaram defraudados. Já pela noite dentro tocou o grupo de música popular «Ná Lua», de Espanha, e a seguir o conjunto melgacense «Contacto». Este último tem valor mas, quanto a mim, não sabe tirar partido disso. Atuando num espaço tão reduzido (Largo Hermenegildo Solheiro), não tinham necessidade de pôr o som tão alto, afugentando muita gente. Por outro lado, com artistas de categoria, quer instrumentistas quer vocalistas, só executam peças de outros, ou seja, não têm (pelo menos que eu saiba) produção própria. Acho que deviam ser ambiciosos, ir mais longe – era bom para o conjunto e para a terra melgacense.

     O último dia da festa, segunda-feira, teve um programa dividido em duas partes: de tarde, futebol junior; à noite, música com o conjunto «Sétima Legião», no mercado municipal. A música deste grupo português é original, bonita, embora não seja a minha preferida. Tal como todos os conjuntos modernos apoiam-se muito nas novas tecnologias, utilizando sem quaisquer peias os chamados «efeitos especiais». Um palco adequado e um espaço amplo ajudaram bastante. Dizia-me um amigo: - «se Melgaço tivesse todos os dias tanta gente era uma autêntica cidade». Infelizmente não tem, nem terá tão cedo.

     Os custos da festa devem ter sido elevados – só a «Sétima Legião» recebeu, a crer na voz do povo, mil e setecentos contos de réis! Mas sem dinheiro nada se consegue. A Expo-98 vai custar quantos milhões de contos de réis?! E vai deixar de se fazer? Não!

     Este ano eliminou-se o cortejo etnográfico, já muito visto. Se aparecer de três em três anos, com algumas inovações, tudo bem. Tive pena que o escultor Acácio Dias não expusesse as suas obras – oxalá que em 1995 não falte.

     Parece que este ano não existiram problemas com a alimentação. Há pouco tempo abriu as suas portas o belíssimo «Restaurante Miradouro». Das suas largas varandas pode admirar-se a vila e toda a paisagem circundante, e um pôr-de-sol espetacular. Integrado num complexo turístico, com uma sala muito espaçosa e com uma bonita decoração e um serviço de cozinha exemplar, diz bem do gosto de quem o idealizou. O seu “bacalhau à miradouro” é de se lhe tirar o chapéu. Assim, sim! No Peso existe o já famoso restaurante da «Pensão Boavista», e ali perto a «Adega do Sossego», que segundo dizem serve um cozido à portuguesa do melhor que há. Na vila temos bons restaurantes, embora mais modestos do que os mencionados.

     A festa correu bem, sem zaragatas, à exceção do primeiro dia, em que a GNR teve de intervir. Os emigrantes lesados pelo ex-bancário Carlos Esteves não deixaram abrir a agência da União de Bancos Portugueses. Segundo parece, estão dispostos a tudo para recuperar os milhares de contos que entregaram para depósitos e que esse funcionário desviou para proveito próprio, de acordo com notícias divulgadas por vários órgãos de comunicação social. O banco e o tribunal terão a última palavra, aguardemos. Quase a atingirmos o século XXI, parece mentira o que se está a passar no nosso concelho – entregar nas mãos de uma pessoa tanto dinheiro!

 

Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1013, de 1/9/1994.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS
 
Por Augusto César Esteves




desenho, ou pintura, de Manuel Igrejas


     Atirados, assim, para o VI ou V século antes de Cristo, não deixam os mesmos de ser trabalho afadigado de celtas, fundo étnico sempre poupado pelos invasores da península. Inexplorados porém, a fundo, todos eles, os objectos que nos mesmos possam ainda estar soterrados, não têm agora ocasião de vir pugnar por uma maior ou menor antiguidade da Vila de Melgaço e do seu pequeno alfoz nos tempos proto-históricos. Mas a verdade proto-histórica traduz-se e sobressai mais nitidamente das referências feitas à etnologia da península ibérica nos trechos literários mais antigos.

     Um ligeiro apanhado de todos eles vem feito em “Os Povos Primitivos da Lusitânia”, do Dr. Mendes Correia, professor da Universidade do Porto. Dele e de outros trabalhos me socorro para dizer que os trechos posteriores ao século III antes de Cristo dão os celtas como vivendo na actual Galiza, paredes meias com os Gróvios, separados daqueles pelas águas do Minho, visto estes estanciarem aquém do rio.

     Pompónio Mela, escritor romano do primeiro século da era cristã, numa passagem muito citada da sua “Corografia”, afirma viverem ao norte do Douro os Celtici, os Grovii, os Praesamarchi, etc…. Ora os Gróvios, que se espalharam e se fixaram desde o rio Douro até ao rio Ulla, nos limites das actuais províncias galegas de Ourense e Corunha, eram um ramo secundário dos celtas e constituído por muitas tribos ou povos. Os que habitavam as terras melgacenses, e na freguesia de Paços ainda hoje existe, como sua reminiscência, o lugar da Grova, formaram uma civitas, quero dizer, eram um povo com organização política autónoma, como explicou a palavra Alberto Sampaio, constituíam um território-comunidade, como ensina o Dr. Mendes Correia, quando os romanos o conquistaram cento e trinta e sete anos antes de Cristo.

     Plínio fala também destes povos nortenhos em “Naturalis Historia”, mas nomeia somente «praeter ipsos Bracaros, Bibali, Coelerini, Galaeci, Hequaeci, Limici et querquerni, citra fastidium nominantur                

     Um bom discípulo de Cícero ou de Horácio, contudo, glosando a passagem, teria interpolado sem receio de errar e antes de indicar o último: - et Melgaci. // Lendo a lição do sábio D. Aureliano Fernandes Guerra y Orbe, da Real Académia Española e da Real Académia de la Historia “Las Diez Ciudades Bracarenses Nombradas em la Inscripcion de Chaves” – mesmo no resumo feito pelo General Ribeiro de Carvalho em “Chaves Antiga”, sobre a localização dos povos mencionados na coluna vial encontrada naquela cidade portuguesa, ressalta à vista melgacense esta passagem: «os querquernios… / Habitava este povo as margens do rio Lima, desde San Lorenzo de Cañon (ao sul de Cela Nova) até à serra do Larouco, e desde Moimenta à Ponte Pedrinha. Os povos com quem os querquernios confinavam eram aobrigenses ao norte, os limicos ao oriente, os naebaseos ao sul e os melgaceos ao ocidente

     Os aobrigenses transformaram-se no povo de Ourense e os limicos da lagoa da Antela, tão estudados por D. Marcelo Macias, representa-os Ginzo, hoje a povoação mais importante de toda a sua velha área. Quando, pois, os romanos conquistaram a península, Melgaço, a ocidente dos querquernios e bem perto dos aobrigenses, não foi riscado do mapa da antiga Gallaecia e porque manteve a sua integridade, quando os conquistadores ajustaram a divisão administrativa das Espanhas, criando a Província Tarraconense, ficou uma das vinte e quatro civitates ou povos do Convento jurídico de Braga. Simplesmente o nome deste povo, a palavra Melgaci, não esmalta as páginas do livro de Plínio, porque, como ele próprio confessou, pareceu-lhe fastidiosa a enumeração total desses povos.

     Ora o chefe dos melgaceos, o celta Melgacus que os batizou, batizou também este querido torrão natal, porque escolheu o planalto, onde hoje assenta a Vila, para aí erguer o seu oppidum, que lhe serviu, ao mesmo tempo, de centro de governo da sua civitas, de defesa e de habitação: uma fortaleza com duas ou três ordens de muralhas, à semelhança de Briteiros, Sabroso ou Santa Luzia, com casas redondas ou rectangulares para o chefe e servos, estábulos para gados, etc.

     Os romanos levaram anos a arrancar os melgaceos para a civilização e se até hoje não apareceram lápides ou outras memórias a provar terem arrasado ou conservado o oppidum, deles ficou memória nas villa, propriedades rústicas cuja cultura ensinaram a fazer, disseminadas por estas redondezas, como Erada, Cavaleiros, Colanes, Prado, Cristóval, com parte urbana e parte rústica, exploradas directamente quando pequenas e repartidas em casais e trabalhadas pelos colonos sob as ordens do vilicus, representante do Senhor, se grandes.

     Quando vieram os germanos para a Península, os suevos acamparam na Gallaecia e tendo massacrado apenas os donos das vilas estanciaram em Melgaço desde 411 a 585. Absorveram-nos depois os visigodos que ficaram na região até 712 e como nenhum destes povos destruiu a organização agrária herdada, nem se desfez dos aborígenes, o nome das vilas romanas persistiu e um deles foi Melgaço. E como não se importaram também com a religião dos vencidos na Galiza, que ia do mar Cantábrico até ao rio Douro e em cujos limites se incluía Melgaço, fundaram-se durante o domínio dos visigodos muitos conventos: mas, procurando os sítios assinalados no mapa monástico e eclesiástico da Espanha visigoda, publicado por Fray Justo Peres de Urbel em “Los Monjes Españoles en la Edad Media” os olhos não encontram nem Fiães, nem São Paio, nem Paderne; lendo, porém, o livro, no capítulo referente à restauração em Leão e Castela, encontra as fundações galegas no século VIII e, a propósito delas, estas palavras: «… el (monasterio) de Sobrado erigido em 952 por los condes Hermenegildo y Paterna y la abadessa Elvira para albergar una comunidad dúplice…», precisamente a memoração das três nobres figuras da Galiza transformadas em macróbias pelas rivalidades das ordens monásticas à busca de preeminências para as suas respectivas fundações a fim de as poderem apresentar como fundadoras do Convento de Paderne, honra de que desde 1934 se encontram apeadas em virtude dos estudos daquele sábio frade beneditino. // continua...

terça-feira, 18 de outubro de 2016

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha 



escritores melgacenses 


- José Alfredo Cerdeira. Filho de António Joaquim Cerdeira e de Laura Lopes. Nasceu na Vila de Melgaço a 12 de Janeiro de 1934. Foi sargento-mor do exército. Como militar, prestou serviço em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Obras: «O Tomaz das Quingostas», edição de autor, 2007. «O Sonhador dos Montes da Aguieira», edição de autor, 2007. // «A Adversidade por Madrasta», edição de autor, 2007. // «O Buraco da Serpe», edição de autor, 2008. // «Nos Bastidores da Selva», edição de autor, 2010. Além destas obras tem outras preparadas para publicação.

 *
- Professor Doutor José Marques. Filho de Manuel António Marques e de Isalmira de Jesus Meleiro. Nasceu no lugar de Lobiô, freguesia de Rouças, a 12 de Agosto de 1937. Foi professor catedrático na Universidade do Porto e é cónego da igreja católica em Braga. Obras: «O Mosteiro de Fiães», edição de autor de 1990; «Os Forais de Melgaço», livro publicado pela Câmara Municipal de Melgaço em 2003; «Limites de Rouças e Fiães e de outras freguesias de Melgaço», edição de autor de 2005; «A Origem da Capela de Alcobaça», edição de autor de Agosto de 2010. Além destas, publicou outras obras com temas religiosos, por exemplo, a sua tese de doutoramento. Em 2015 tinha em preparação para ser editado pela Câmara Municipal de Melgaço o livro «Cartulário de Fiães», contendo documentos da idade média. Foi apresentado ao público no dia 12/8/2016 no mosteiro de Fiães.  Trata-se de um obra fundamental para a história do concelho de Melgaço.


domingo, 16 de outubro de 2016

LEMBRANÇAS AMARGAS
(romance)
 
Por Joaquim A. Rocha
 
 
 
 
X
 

A denúncia virtuosa e a virtude enxovalhada

 

     Eu desdobrava-me em consertos, a confecionar o almoço (que no Minho chamam jantar). Nesta região há quatro refeições por dia: almoço (entre as sete e oito da manhã); jantar (entre as doze e as treze horas); merenda (a meio da tarde); e a ceia (entre as oito e as nove horas da noite). A maior parte dos dias também fazia a ceia, pois como já sabem a minha mãe deslocava-se para as aldeias e no regresso, entre as nove e dez da noite, quando não mais tarde, já trazia uma grande piela, mal se segurando nas pernas. Por tudo isto, eu não dispunha de muito tempo livre para o namoro e por essa razão a minha apalavrada começou a ver outros “filmes”, cenários mais vistosos, perspetivas mais consoladoras. O meu grande amigo Rina apercebeu-se, raposa como era, da tramoia, e corre à oficina a fim de me avisar. Escutem:


- Ó Cândido, conheces-me, eu não quero ser intrometido, mexeriqueiro, mas olha que dizem coisas por aí!

- Eh, pá, desembucha.

- A tua namorada anda a pôr-tos, já a viram aos beijos com o filho da Teresa, cheira-lhe a «cacau», eles vêm de lá cheio dele, o tipo já está em França há uns anitos, por isso é que pôde cá vir, pagou a taxa militar, até já se fala em casamento, tu põe-te a pau senão ficas sem ela, agora que vais para a tropa, ela deixar-te assim! Eu não vi nada, mas quem mo afirmou não costuma mentir, põe-te a pau, repito, eu no teu lugar esclarecia isso com ela, ser tua namorada e andar no marmelanço com outro é que não, comigo as raparigas não fazem farinha, que eu até lhes rebento com a focinheira, elas a mim têm-me um temor que se pelam todas.

- Mas ouve lá, Rina: ainda ontem estive com ela, não me disse nada, não abordou esse assunto, portou-se como de costume, com naturalidade, isso deve ser mentira, aqui na nossa patriazinha toda a gente mete o bedelho na vida dos outros; lá que o marmanjo se interesse por ela, isso talvez, e até certo ponto compreende-se, ela é um pedaço de mulher, não é por ser minha namorada, mas olha que deve ser a mais bonita do concelho, põe os olhos em bico a qualquer um, eu sei que me têm inveja, lá isso têm, mas eu não me importo, ela gosta de mim e respeita-me, já deu provas disso, não acredito que me trocasse por ele, muito mais velho do que ela; não acredito. Que falem, deixa-os falar, tu és meu amigo, somos como irmãos, e sabes que eu não me importo com o que dizem, a boca é para falar, que falem: «o cão ladra e a caravana passa

- Não sei, não há fumo sem fogo, se fosse a ti precavia-me, as mulheres são capazes de tudo, conheço-as bem, como as palmas das minhas mãos, já tive mais de seis namoradas; as cabronas não eram de fiar, logo que outros lhes rondassem a porta, lhes piscassem um olho, fizessem tilintar uma moeda no bolso, atiravam-se-lhes para os braços, mas não se ficavam a rir, partia-lhes os dentes logo que tivesse conhecimento disso, pelo menos não se ficavam a rir.    

- Também há quem diga que uma delas te pôs o corpinho de molho!

- Isso foi a Amália do Regueiro, a malvada tinha uma força de dois homens, era virago, dei-lhe umas bofetadas nas ventas, mas a gaja atirou-se a mim como uma gata, um tigre, arranhou-me todo, mordeu-me o nariz, ia-mo cortando, deu-me um pontapé nos tomates, ia-me aleijando, cabrona, que força ela tinha, tive de dar às de vila-diogo, se não matava-me, quando a vejo ainda tremo, mas olha que essa é tesa, ninguém lhe faz frente, depois vinguei-me nas outras, malhei que nem em centeio, é como se estivesse a bater nela! 

- E o irmão da Filomena, parece que também te amaciou a pele!

- Oh! O João da Queijas, esse, coitado, veio gabar-se para aqui que me batera! Eu dera uma tareia na irmã, quis vingar-se; mas foi tudo mentira, quem levou das boas foi ele, que eu, não é para me exibir, mas assapei-lhe bem, dei-lhe uma moia que não esquecerá tão cedo, até foge de mim quando me vê, ainda outro dia fui a um baile à aldeia dele, a Goibães, olha que não apareceu; eu, se ele aparecesse, já estava preparado para lhe malhar outra vez, mas o tratante não é parvo, se calhar avisaram-no, ele que aparecesse…

- Estas guerras entre os da Vila e os da aldeia nunca acabam, já quando nós éramos pequenos, quando eu vim para cá, ouvia falar nelas, os daqui gabavam-se que tinham dado grandes tareias nos da aldeia, mas parece que não era bem assim, os outros jogavam bem o pau, eram exímios com ele, não temiam os da Vila, chegavam-lhes bem, uma coisa é um indivíduo ser gabarolas, outra coisa é a realidade, quando os paus voam pelo ar não há costas que escapem, levam todos. 

- Nós agora é que estamos a ficar cobardolas, olha que os mais antigos, os da idade do meu pai, esses tinham-nos no sítio, a esses ninguém fazia o ninho atrás da orelha, pudera! Levavam poucas, nós encolhemo-nos, quando vamos às festas e bailes estamos sempre com receio que caia bordoada, mas olha que naquele tempo eles é que tomavam a iniciativa, não esperavam que os outros começassem, as pobres mulheres desandavam, era uma gritaria dos diabos, eu ainda assisti a algumas lutas, a minha mãe fazia um escabeche dos diabos, não queria que o meu velho andasse à pancada, mas ele tinha de ajudar os outros, aquilo fazia lembrar os mosqueteiros «um por todos, todos por um

- Nós agora somos mais civilizados, já não usamos pau, por outro lado antigamente não havia GNR, agora os guardas não consentem essas guerrilhas, e andam bem armados, caramba, até podem num ápice matar um tipo. Outro dia, na festa de Santa Quitéria, não sei se lá estavas, os guardas Silvino e Rómulo puseram-se aos tiros, um tipo borra-se todo, uma bala daquelas leva um homem para o jardim das tabuletas num segundo, eu pus-me detrás de uma árvore, apanhei cá um susto, nem é bom lembrar.

- Eu chegara havia minutos, andava à tua procura, os guardas trouxeram uns quantos presos para a cadeia, parece que bateram neles que nem fossem animais, nunca mais vão querer meter-se noutra, os gajos não são para brincadeiras, dão tareia da grossa, hóstia, dão com a coronha da espingarda, até partem a cabeça a uma pobre criatura de Deus.

- As festas assim ficam mais calmas, já toda a gente pode andar à vontade, sem receio de apanhar uma paulada, esse costume está fora de moda, nós queremos e desejamos é divertirmo-nos, eu não gosto de confusões, de balbúrdias; os arruaceiros estragavam a festa quando ela estava no auge, embebedavam-se e pronto, toma lá porrete!

- Mas assim as festas não prestam, perdem toda aquela beleza, o colorido, tornam-se festas para mulheres e crianças, calmas, somente a música, primeiro a missa, a procissão, toda a gentalha sabe o que se vai passar, não têm graça nenhuma!   

- Há as cantigas ao desafio, os ranchos folclóricos, as moçoilas a passear de um lado para o outro, os namoricos, a banda de música… Sabes que a nossa banda é considerada uma das melhores do Minho?

- Graças sobretudo ao mestre Fernandes.

- Extraordinário maestro! Mas dizia eu: na festa de Santa Maria levámos, eu e a minha velhota, para merenda, um galo estufadinho no tacho, que bom, foi um petisco, passámos um dia maravilhoso, eu gosto de paz, sempre fui pacífico. 

- Também não tens corpo, nem garra, se tivesses eras como os outros, quererias botar figura, assim refugias-te debaixo das saias das mulheres, e elas abusam de ti!

- Sabes que isso não é cem por cento verdade; há pessoas agressivas por natureza e outras que não o são, eu pertenço a estas últimas, nasci assim e sinto-me bem comigo, com a minha consciência.

- És muito diferente de mim, eu gosto de movimento, de ação, de protagonismo.   // continua...

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

POEMAS DO VENTO
 
Por Joaquim A. Rocha
 
 
 
 
 
A MODA DA CALÇA ROTA

 

 

Para a frente juventude

- cheia de vigor e saúde –

Não nos faças esperar.

A moda da calça rota

Está agora a começar.

A moça vai aderir,

A roupa boa despir,

No roto está a virtude.

Vamos as calças rasgar,

A perna linda mostrar,

Dizer aos outros quem somos.

O biquíni já não qu’remos,

Nem sequer a mini saia,

São já coisas de somenos.

Agora vamos à praia

De calça toda rasgada,

Mostrar perna torneada

- Sem maldade, sem batota -

duma atrevida garota.

Mostrar o rasgão na calça…

O orgulho se descalça,

A vergonha já perdemos.

Rasga aqui e acolá,

Esquece a estrela má,

Mostra a perninha jeitosa.

A malta é generosa,

Mostra tudo aos velhotes;

No inverno mil capotes

E no verão a pele linda.

Havemos de ver ainda

- Numa qualquer praia do norte –

Uma calça feita em tiras,

O vento num rodopio,

Ao longe forte assobio,

Uma gaivota voando,

Sobre aquelas pernas giras. 

Quem sabe se terei sorte

De as poder admirar,

Junto àquele velho mar.

Calça rota é que está a dar.

Tu, rapariga bonita,

Rasga as calças da Rita,

Da Sara, do teu Orfeu…

As calças de toda a gente.

O velho anda contente,

Satisfeito, tão feliz,

Julga que a terra é céu.

Gosta de ver a calça rota,

A linda perna marota,

Da Constança e Beatriz,

Da Laura e da Zaulinda…

Não hesites, ó minha linda,

rasga a tua bela calça,

Solta um bocado a alça,

Mostra à gente que és capaz

De passear na avenida

Rasgadinha, mal vestida.

Sê alegre, sê marota,

Mostra a tua calça rota.     

 

*

 
A costureira, atrevida,

Sorridente e garota,

Vai fazendo pela vida

C’ a moda da calça rota.

 

Lançou a moda no sul,

Espalhou-se pelo norte;

Vinga em Lisboa e Seul,

Vejam lá a sua sorte!

 

Vamos todos rasgar roupa,

Mostrar a perna marota;

 A beleza não se poupa,

A moda é a calça rota.

 

Se és rapariga, rapaz,

Entra nesta linda roda;

Mostra que és capaz

De aderir a esta moda.