quarta-feira, 30 de agosto de 2017

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha





ROUBOS


Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 325, de 20/9/1936: «Há pouco tempo apareceu em Melgaço um indivíduo desconhecido que dava pelo nome de António e consertava relógios ao ar livre no Largo da Calçada. Um dia destes o tal indivíduo desapareceu desta vila levando todos os relógios que (…) lhe haviam confiado para consertar, pertencentes aos senhores António Joaquim Esteves, António Augusto Pires, Manuel da Garage, José Cerdeira, Manuel Pereira, Manuel Gonçalves, e a uma criada da antiga Pensão Vila Verde. O mesmo gatuno roubou uma toalha de felpo a Higina Cerdeira, em casa de quem esteve hospedado e a quem ficou a dever quarenta e cinco escudos de hospedagem. Este indivíduo, um dia antes de fugir, despachou na Central desta vila, com destino a Viana, uma mala com diversos objectos. Ignora-se o seu paradeiro 

 *

     Na noite de 8 para 9/10/1936, noite de tempestade, os gatunos penetraram pelo telhado e entraram na casa de habitação de Cândido Augusto Esteves, comerciante, com estabelecimento no lugar do Cruzeiro da Serra, Prado, descendo à loja, de onde roubaram chapéus, lenços, peúgas e ligas, tabaco, fósforos, papéis de fumar, queijo, marmelada, chouriços, bacalhau, e dinheiro que ali restava para trocos; calculou-se o valor do roubo em 600$00 (NM 328).    

domingo, 27 de agosto de 2017

LINA - FILHA DE PÃ
 
romance
 
Por Joaquim A. Rocha




// continuação...

A Lina não suspeitava de nada. Vivia alegre e descontraída: o Leandro crescia a olhos vistos, já gatinhava, e ao sorrir mostrava uns dentinhos muito bonitos.

     O “pai” sentia-se orgulhoso do seu menino. O senhor Manuel nunca pensara vir a ter descendência. Se soubesse que era assim tão importante para o seu equilíbrio emocional, ter-se-ia casado quando era novo, mas também nessa altura não tinha recursos financeiros para manter um lar com a dignidade desejada. «Veio quando tinha de vir» - condescendeu.  

     Estava a atender uns clientes quando chegou a GNR. «Mau!» - disse o senhor Manuel – «fico sempre nervoso quando vejo a autoridade por perto; nada tenho a temer, mas não gosto muito de fardas

     Um dos clientes observa com perspicácia o que se passa e tenta acalmá-lo:

- Ó senhor Manuel, até pode ser que lhe venham comprar qualquer coisa!

- Não me parece; quando precisam de algo mandam as mulheres ou os filhos, não gostam de fazer mercancias quando estão fardados.

     De facto os soldados da GNR não vinham ali para comprar, mas sim para outros fins. Traziam um mandato de prisão, passado pelo Senhor Doutor Juiz, mas mesmo na posse desse documento não desejavam provocar conflitos com o comerciante, por quem tinham alguma consideração.   

- Senhor Manuel: podia-nos fazer um favor?

- Dois ou três, senhores guardas. Em que posso ser-lhes útil?

- Podia chamar a sua empregada, a senhora Lina? Precisamos urgentemente de falar com ela.

- Aconteceu alguma coisa de grave? Algo que eu desconheça?!

- Não sabemos ainda, ela é que nos vai esclarecer.

     O senhor Manuel ficou intrigado, mas correu a chamar a sua cara-metade, como a tratava, embora ainda não fossem casados, o que estava por um fio.

- Lina: estão aqui umas pessoas que querem falar contigo. Desce.

- Já vou; pede-lhes para esperarem um bocadinho. 

     Dali a uns minutos surge ela com a criança ao colo. Quem olhasse para aquele quadro humano nem sequer lhes passaria pela cabeça a crua verdade: aquela mulher servia-se do pequeno ser para conseguir os seus malvados fins; mas se a criança estivesse a viver com os verdadeiros pais estaria agora escanzelada, mal nutrida, cheia de pelo.

- É a senhora Lina? – perguntou um dos guardas, quase em posição de sentido.

- Sim, sou eu! Não me conhecem?! Que desejam de mim?

- Em nome da Lei considere-se presa. Se resistir será pior para si.

     Ali perto aguardava a mãe do pimpolho. Chamaram-na. Estava triste, chorosa, um farrapo. Aquilo nunca lhe devia ter acontecido. Levaria a criança, que remédio, para juntar aos outros, mais uma boca para comer. Uma sardinha já era repartida por três, agora seria por quatro! A autoridade falava na Lei; mas ela, Umbelina, não tinha nada de seu, trabalhava a terra dos outros, no São Miguel tinha de dar aos proprietários da Quinta quase tudo que produzia; para ela, marido e filhos ficavam os restos, as migalhas, umas centenas de espigas de milho para cozer a broa. As leis deviam ser para os ricos, para os poderosos; os pobres não precisavam dessas imposições, nem sequer sabiam ler!

     O guarda dá uma ordem à falsa progenitora:

- Entregue a criança à sua verdadeira mãe e acompanhe-nos. De contrário teremos de usar a força.

- Usar a violência para uma mulher, senhores guardas?! – interveio o comerciante, sem perceber absolutamente nada daquilo que se estava a passar.

- O senhor Manuel vá ao posto, se não se importa, que o nosso comandante põe-no ao corrente de tudo. Agora temos de levar presa a sua empregada. Como deve ter notado a criança não é dela, nem sua, mas sim desta mulher e do marido.

     O senhor Manuel ficou banzado, cambaleante. Virou-se para a amante e perguntou-lhe:

- O que fizeste? É verdade que o Leandro não é meu filho?

     Não esperando pela resposta, continua:

 - És uma desgraçada! Como pude acreditar em ti?

     A Lina, descontraída, fria como a pedra sepulcral, como era seu timbre, já não tendo nada a perder, descoberto o seu ardil, riposta:

- Ó palerma, julgavas que eu te tinha amor? Eu só amei um homem, ouviste? De ti… só queria era o teu dinheiro.

     Depois dirigiu-se à mãe da criança, entregou-lhe o bebé, e disse-lhe com azedume:

- Toma! Nem para o teu filho foste boa. Sois gente fraca, servos da gleba, sem coragem. Arranja-lhe uma enxada e põe-no a cavar os campos, é para isso que vós prestais, para mais nada. Gente inútil.

     E virou-lhe as costas, com desprezo e altivez.

     Os guardas agarraram-na por um braço e arrancaram com ela para o calabouço, que ficava no posto da GNR, por baixo dos Paços do Concelho. Dali seria transferida para a prisão, que ficava a um ou dois quilómetros de distância. Tratava-se de um edifício recentemente inaugurado, construído propositadamente para esse fim. Antes a cadeia era no centro da Vila, na zona histórica, num prédio seiscentista, com algum interesse arquitectónico, mas insuficiente para as necessidades do concelho. Ali já funcionara o tribunal e outras repartições públicas. Os presos fugiam de lá quando bem lhes apetecesse, roubavam e eram novamente presos, e voltavam novamente a fugir!      

// continua...

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha




*
 
CASA BRANCA

 

     Mandada construir na freguesia de Cristóval, concelho de Melgaço, nos inícios do século XX por Daniel José Rodrigues. / Manuel Igrejas escreveu: «Daniel embarcou para o Brasil em busca de promissor futuro… Na altura, final do século XIX… Ano após ano foi o Daniel passear à sua terra quando mandou construir o palacete no passal, que por muitos anos foi motivo de admiração, a que chamou “Casa Branca”.» Chamou-lhe assim porque «radicando-se em São Paulo foi trabalhar no mais importante estabelecimento da época…, denominado Casa Branca.» Depois casou com a filha do patrão, Antónia de Silos (VM 1214, de 1/11/2003). // Daniel José Rodrigues morreu em Lisboa em 1922 ou 1923. / Em 1933 eram donos da dita «Casa» Rafael Rodrigues e seu irmão, Honório Rodrigues, residentes no Brasil; nesse ano estiveram em Cristóval, com a família. / «Em 1947 o Rafael e a Sara (sua esposa) resolveram deixar a magnífica vivenda em Cristóval, a célebre “Casa Branca”, e vir para o Brasil.» Tinham dois filhos: Rafael e Maria de Fátima (VM 1002, de 1/3/1194). / A 11/4/1953 finou-se em Lisboa um seu (de Daniel José Rodrigues) descendente e herdeiro, António Daniel Rodrigues, que vivera no Brasil muitos anos. / Em “A Voz de Melgaço” n.º 940, de 1/6/1991, página 16, lê-se: «Faleceu o Felito da Casa Branca. Aos 74 anos, Rafael do Val Rodrigues… Um dos remanescentes da faustosa Casa Branca, de Cristóval, estava radicado em Jacareí, Estado de São Paulo, há mais de 40 anos. Era casado com Sara Rodrigues, pai de Rafael e de Maria de Fátima…»  

domingo, 20 de agosto de 2017

GENTES DE MELGAÇO
(microbiografias)
 
Por Joaquim A. Rocha




DURÃES, António Augusto (Dr.) Filho do Dr. António Joaquim Durães, natural de Paços, e de Beatriz Augusta Ribeiro Lima, proprietária, natural da Vila. Neto paterno de João Manuel Durães e de Francisca Caetana Pires, de Sá, Paços, proprietários; neto materno de Carlos João Ribeiro [Lima] e de Ludovina Rosa dos Santos Lima, proprietários, da Vila. Nasceu no Campo da Feira de Fora às 13 horas de 24/7/1891, e foi batizado a 5 de Setembro desse ano. Padrinhos: os seus avós maternos. // Em 1908 concluiu os preparatórios num liceu do Porto (Jornal de Melgaço n.º 742). // A 18/7/1910, na Faculdade de Direito, fez acto das instituições de direito romano e de português. // A 20/6/1912 fez exame, com distinção, da 18.ª cadeira, medicina legal, e dias depois fez exame da 19.ª cadeira, direito internacional, 5.º ano; em Julho desse ano fez exame da 15.ª cadeira, 4.º ano, ficando distinto; também fez exame da 16.ª cadeira, 5.º ano, sendo aprovado com 15 valores (Correio de Melgaço n.º 8, de 28/7/1912), e direito colonial, 13.ª cadeira, 4.º ano (Correio de Melgaço n.º 10). // Formou-se em Ciências Jurídicas, na Universidade de Coimbra, a 13/8/1912. // A seguir abriu escritório em Melgaço, em cujo foro se estreou, a 12/11/1912, na defesa do padre José Joaquim Pinheiro, ex-pároco da Vila, conseguindo a sua absolvição; o padre fora acusado por Duarte de Magalhães de lhe ter recusado a comunhão na quaresma de 1902, praticando, por conseguinte, abuso de funções religiosas; o advogado de acusação era o Dr. Anselmo Ribeiro de Castro, advogado em Viana do Castelo. // Ainda nesse ano de 1912 foi nomeado subdelegado do Procurador da República em Melgaço (Correio de Melgaço n.º 30, de 29/12/1912), mas foi exonerado no ano seguinte (Correio de Melgaço n.º 59, de 27/7/1913). // Era um político ativo; aderira, depois de Outubro de 1910, ao Partido Republicano Português, e foi chefe, em Melgaço, do Partido Democrático, cujo líder nacional era o Dr. Afonso Costa. // Foi administrador do concelho, tomando posse a 24/2/1913, e esteve nesse cargo até Maio do ano seguinte, interessando-se pelo prolongamento do caminho-de-ferro até Melgaço, mas os seus esforços foram em vão, devido em parte à falta de recursos financeiros por parte do Estado. Também lutou pela estrada para Castro Laboreiro, mas o dinheiro era escasso nessa altura. Quis para Melgaço a luz elétrica, água canalizada, etc., mas nada disso se tornou realidade durante a sua permanência no concelho. Foi ainda diretor do “Correio de Melgaço”, a partir do número 74, de 9/11/1913, mas devido a divergências com Hermenegildo José Solheiro, proprietário do jornal, afastou-se em 1915; o seu nome só aparece como diretor e editor até ao número 142, de 23/3/1915; a partir daí já figura como editor Adriano Augusto da Costa. // Suponho que em 1913 foi candidato a deputado pelo círculo de Melgaço (ver Correio de Melgaço n.º 57, de 13/7/1913). // A 28/11/1913, pelas 18 horas e 30 minutos, na Portela de Chaviães, quando vinha de moto de São Gregório para a Vila, foi de encontro a umas pedras que alguém, propositadamente, colocara na estrada; ficou ferido numa perna e num braço, e a motorizada ficou estragada (Correio de Melgaço n.º 77, de 30/11/1913). // Em sessão de 28/11/1913 o tribunal da Relação do Porto deu provimento ao agravo interposto por ele, Dr. Durães, do despacho do juiz de direito de Melgaço, que o inibia de advogar em polícia correcional de parte, com o fundamento de que ele era administrador do concelho (CM 77). // Em 1914 solicitou uma licença à Câmara Municipal para mandar fazer uns consertos no prédio que possuía na Rua Teófilo Braga, Vila, e para colocar umas pedras nessa rua, de maneira a não impedir o trânsito público, a qual lhe foi concedida (Correio de Melgaço n.º 97, de 26/4/1914). // Ainda em 1914 pediu a exoneração de administrador do concelho, pedido que foi aceite pelo Governador Civil do distrito (Correio de Melgaço n.º 98, de 3/5/1914). // Tudo lhe acontecia: pelas 23 horas de 2/5/1914, numa casa do lugar de Alcobaça, Lamas de Mouro, foi vítima de um acidente; estava encostado a uma varanda e esta cedeu, caindo sobre um pátio que se encontrava a quatro metros da varanda; foi socorrido por Jaime de Almeida, Macker Pinto, e por várias pessoas ali presentes. Felizmente o ferimento não era de grande gravidade; no dia seguinte regressou à Vila, onde foi analisado pelo Dr. Vitoriano (Correio de Melgaço n.º 99, de 10/5/1914). // A 7/9/1914, ele e mais três amigos, estiveram em perigo de vida em Vila Praia de Âncora, em virtude de se terem afastado da praia; foram socorridos pelos pescadores e banheiros, que os salvaram com imensa dificuldade (Correio de Melgaço n.º 115, de 8/9/1914). // Por despacho de 19/8/1915 foi nomeado notário interino da comarca de Monção, substituindo o Dr. Augusto César Esteves, que, a seu pedido, fora exonerado. Em Outubro ou Novembro desse ano foram-lhe concedidos trinta dias de licença (Correio de Melgaço n.º 174, de 14/11/1915). // Em 1916 foi-lhe oferecido de novo o cargo de administrador de Melgaço, mas recusou-o; aceitou, contudo, juntamente com o major reformado, Albino Pinto da Cunha, do Convento, Carvalhiças, o lugar de censor (Correio de Melgaço n.º 195, de 16/4/1916). Portugal entrara na I Guerra e a censura foi imposta aos meios de comunicação social. // Nesse ano de 1916 foi exonerado de notário interino em Monção (Correio de Melgaço n.º 199, de 14/5//1916). // Por causa de um artigo publicado no “Jornal de Melgaço” andou à tareia no dia 13/7/1916, quinta-feira, com o Dr. António Francisco de Sousa Araújo, no “Café Melgacense”; terminou com a intervenção de alguns amigos (Correio de Melgaço n.º 207, de 16/7/1916). // Foi advogado de defesa de “Amélia” Rodrigues, acusada de ofender a moral pública, a qual respondeu a 17/7/1916, ficando absolvida (Correio de Melgaço n.º 208, de 23/7/1916). // Casou na igreja de SMP em 1916 (o casamento civil decorrera na residência da noiva, Rua Mouzinho de Albuquerque, Valença, a 20/2/1916) com Maria Esménia, de dezoito anos de idade, de Santa Maria dos Anjos, Valença, filha de Francisco Antunes da Silva Guimarães, secretário de Finanças em São Tomé, e de Maria das Dores (ver Correio de Melgaço n.º 184, de 30/1/1916). // Em 1917 concorreu às eleições para a Câmara Municipal, numa lista presidida pelo padre Francisco Leandro Álvares de Magalhães. // Em Janeiro de 1919 tomou posse do lugar de notário na Vila de Caminha (JM 1234). Não sei quanto tempo ali permaneceu, pois o casal partiu para África, São Tomé, nos primeiros dias de Agosto desse ano de 1919, onde ele iria desempenhar o cargo de administrador de concelho (JM 1257, de 10/8/1919); dali embarca para Angola, onde ele esteve ao serviço do general Norton de Matos. // Em 1929 foi nomeado Governador de Benguela (NM 27, de 25/8/1929). // De vez em quando vinha à sua terra natal, mais a mulher, pois filhos não tiveram, trazendo com eles os empregados, fixando-se um deles, o Joaquim, em Melgaço, onde arranjou emprego e casou. // Passava, no Cine Pelicano, alguns filmes que trazia de África, películas que mostravam a vida quotidiana dos naturais de Angola. // Em Julho de 1934 esteve em Melgaço; vinha de Benguela, onde era advogado; as coisas não lhe deviam estar a correr muito bem, pois tencionava fixar residência em Viana do Castelo (NM 238, de 8/7/1934). Em Outubro desse ano já exercia advocacia nessa cidade (NM 248, de 14/10/1934). Não deve ter tido o êxito que esperava, pois voltou para África. // Antes da independência da ex-colónia o casal regressa a Melgaço, onde possuía uma boa casa na Rua do Rio do Porto e uma ótima Quinta. // Depois de Abril de 1974 foi presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Melgaço, até às eleições. Tomou posse a 4/11/1974. Foi a primeira Comissão Administrativa a tomar posse no distrito de Viana. Colaboraram com ele: eng.º Artur José Rodrigues, professor do ensino liceal em Monção (vogal); Albertino Domingues, comerciante (vogal); António Fernandes, industrial (vogal); Manuel da Cruz Dias, ourives (vogal). Era então Governador do distrito o capitão-tenente Joaquim Teixeira (NM 1843, de 10/11/1974). // Quis criar, na sua Quinta da Pigarra, uma Escola Agrícola, mas o Ministério da Educação não se interessou pelo projeto; assim, ofereceu-a aos BVM e à SCMM. // Em Maio de 1976 publicou um livro “ANGOLA E O GENERAL NORTON DE MATOS – Subsídios para a História e para uma Biografia.” // O casal faleceu na Vila de Melgaço: ela a 26/9/1974 e ele a 24/10/1976. // (Ler a entrevista que ele concedeu ao Correio de Melgaço n.º 219, de 8/10/1916; nessa altura encabeçava a lista do concelho que disputava a liderança da Câmara Municipal de Melgaço, cujo presidente era João Pires Teixeira; ver também “A Voz de Melgaço” n.º 379, de 15/6/1967).

 

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

LEMBRANÇAS AMARGAS
romance
 
Por Joaquim A. Rocha



caixa de Pandora


XVI

No vício chafurdam alma e corpo


     Se eu tivesse um caráter violento poderia, perante uma situação destas, tomar uma atitude agressiva. Mas não, lamento-me, desfaço-me em lágrimas, imploro, interrogo-me: porquê este sofrimento?! Já sei que muitos leitores opinarão que eu deveria ter deixado há muito a casa da minha mãe, ir para a cidade, para o estrangeiro, sei lá. Eu tentei emigrar, mas não consegui o dinheiro necessário, dez contos de réis, quantia astronómica para o meu magro bolso; dentro de pouco tempo irei para a tropa, lá abrirei os olhos, pelo menos assim o espero. Bem, mas isso é outra história. Ouçam esta conversa e tirem dela as ilações convenientes:

- Vem da aldeia a esta hora? E bêbeda como um cacho! Que lástima! A cambalear como um borracho! Qualquer dia fica pelo caminho, atolada em algum barranco, sem que ninguém saiba onde se encontra para a socorrer, maldita vida esta, que mal eu fiz para ter uma mãe assim, valia mais não ter nascido, ou então ter morrido quando vim a este mundo, não sofria tanto, pode crer, não passaria por tantas vergonhas, tantos vexames, para que quero eu esse vinho, esses chouriços, não quero nada disso, vai tudo para a retrete, para o entulho, para o lixo, eu não quero nada disso, borrachona, borrachona é o que você é, tanto lhe tenho pedido, deixe as aldeias, fique em casa, faça-me o comer, trate-me da roupa, eu ganho para os dois, não precisa de nada, dessas coisas, de levar essa vida desleixada, mata-me de vergonha, já não vou aos bailes, ao cinema só vou à noite, escondo-me, tenho vergonha, as raparigas não me querem, nem em mim reparam.

- Olha que a neta da Cidália, a Bera, bem te quer, canté, o meu filho, sou bêbada, isso sim, mas não sou ladra, canté, se eu lhe dava o meu filho, canté, tens vergonha da tua mãe, olha que as outras bebem-lhe bem, mas metem-se em casa, os coirões, passam por senhoras, as putonas, que eu bem sei quem elas são, canté, se sei, badalhocas, metem-nos em casa às escondidas, são dois garrafões todos os dias, até acordam para beber, e eu é que sou a borracha, coirões, sem vergonha, que me chamem a mim bêbada, eu é que sei, depois passam por senhoras, porcas, bebem mais do que eu, sou borracha mas sou livre, não ponho os cornos ao meu marido, esses coirões, metem-nos em casa, um há dias até pela capoeira entrou, e os cornudos não sabem, eu é que lhas canto… A Georgina, quando tinha a pensão, até a filha Eulália vendeu a um caixeiro-viajante, vê lá tu, uma rapariga com apenas quinze anos de idade, meteu-a na cama com ele, um homem casado, depois ele foi obrigado a dar aos pais dela vinte contos de réis, nesse tempo era uma pequena fortuna. Que gente! Gastaram-no depressa, só luxos, e eu é que sou isto e aquilo, eu nunca faria uma coisa dessas, minha rica filha.

- Só sabe dizer mal das outras mulheres, se cuidasse da sua vida, se tivesse juízo, tino, se respeitasse os seus filhos e a sociedade, mas não, cada dia que passa se abandalha mais, afocinha na lama até não mais se poder levantar, só vive para a vinhaça, eu não sei se vou aguentar esta vida por muito mais tempo, são quase dez horas da noite, ainda não ceei, vou para a cama sem comer, fartinho de trabalhar, das oito da manhã às oito da noite, jantei à pressa, tenho tanto calçado para entregar, não sei o que vou fazer à minha vida, apetecia-me fugir daqui, deixá-la entregue ao seu destino, já sei que passado algum tempo davam-me a notícia da sua morte, é uma desgraçada e faz-me a mim desgraçado, os meus irmãos foram-se embora, eu é que tenho de aguentar este maldito viver, este martírio, este suplício sem fim.

- Borrachas, canté, queriam o meu Candinho, eu dou-lhes o arroz, uma até quer que a tratem por dona, canté, dona do que é dela, borracha, mas não sai à rua, emborracha-se em casa, eu conheço-a bem, querem passar por gente fina, nasceram tão pobres como eu.

*

- Já se sente melhor?

- Ontem foi de mais, que carraspana, foi na casa da Adosinda, estive a ajudá-la a preparar o fumeiro e depois pôs-me vinho à vontade, estava cheia de sede, comer não comi quase nada. Eu sei que podia beber água, mas não gosto, faz-me criar rãs no estômago.

- Então ouça com atenção: peço-lhe pela alma dos seus pais e dos seus irmãos, pelo que tiver de mais sagrado, que não volte às aldeias, eu já ganho umas moedas, as engraxadelas também vão dando uns patacos, as coisas estão a correr bem, esfalfo-me, é certo, mas vale a pena, prometa-me que não vai mais para as aldeias.

- Não posso dizer se serei capaz de lá não ir, são muitos anos, conheço aquela gente toda, precisam de mim para lhes cozinhar, para as vindimas, para as esfolhadas, para preparar o fumeiro, para tudo, eu sou assim, tenho pena daquela gente, se eu não for vêm-me buscar, olha se eu não aparecesse, amanhã já mandavam recado, eu vou ver se lá vou menos vezes, se não bebo tanto, não sei se me controlarei, tu daqui a três anos assentas praça, depois casas-te, a tua mulher já te fará o comer, agora eu sempre aqui fechada, sentia-me prisioneira, infeliz, sei que tens vergonha de mim, mas isto é superior às minhas forças, é o meu destino, cada qual tem o seu, e não o podemos mudar.

- Como é que me vou casar se fujo das raparigas, fiz dezassete anos de idade, sou um homenzinho, tenho vergonha, não quero que elas se riam na minha cara, ainda há dias uma se riu às gargalhadas quando você caiu ali na rua; não repara no pai dela, que é um borracho igual ou pior do que você, basta beber um copo de vinho e já fica bêbado, já não deve ter fígado, há quem diga que tem uma cirrose, anda sempre a cair de bêbado, qualquer dia fica estendido no caminho, mas a filha riu-se à gargalhada, senti imensa vergonha e raiva. É verdade que a Bera gosta de mim, eu também simpatizo com ela, mas só tem catorze anos de idade, é uma menina, você tem de se emendar, não pode continuar assim, que raio, faça isso por si e pelos seus filhos, pela família; os meus irmãos nem vêm passar aqui as férias, coitados, da última vez que cá vieram ficou-lhes de emenda, juraram para nunca mais, ficaram com a alma penalizada. Eu que aguente, sou o mais novo, mas não sou nenhum mártir para sofrer tanto, você tem de mudar os seus hábitos.

- «Burro velho não aprende línguas nem tem emenda.» Não é com esta idade que vou alterar a minha maneira de viver, posso tentar, mas acabarei sempre por cair no mesmo, a tentação é demasiado grande.         

- Disseram-me que há um medicamento na farmácia que acaba com esse vício, se quiser vou comprá-lo.

- Remédios da botica! Toma-os tu. Ainda me matavam, canté, medicamentos nem morta, nunca os tomei, não sou doente, o que tu queres é ver-me defunta.

- Que vantagens, diga-me, teria eu, seu filho, com a sua morte?!

- Vias-te livre de mim, da peçonha…

// continua...

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha
 
 
 
 
 
cartas de um castrejo
 
 
26.ª - «Senhor Redactor: nem sempre, daqui, podemos dar louvores e por isso é para nós da maior satisfação registar o procedimento da Guarda Fiscal, deste e outros postos desta freguesia, abastendo-se de comparecer na festa da Senhora da Vista, nas Cainheiras. Tudo na melhor ordem e harmonia, na linda festinha – sem um senão, sequer. A música de Melgaço houve-se com tal galhardia que as rochas da Anamão ainda hoje repetem os ecos dos seus acordes…» (Correio de Melgaço n.º 211, de 13/8/1916). 
 
27.ª - «Senhor Redactor: não há escola agora. // A Guarda Fiscal tomou um aprumo louvável – decerto por imposição superior. // As searas estão ceifadas pela foice inclemente do segador. // O calor aperta, mas não tanto que nos torne as águas insalubres. // A Europa, ou melhor, o Mundo, convulsiona-se; e o castrejo, através de uns vidros foscos, por não ter retina de águia, vê estas misérias (…) e também vê as grandezas. E, como combatente rijo, duro, áspero e infatigável, a favor da terra que lhe foi berço, aborda, muito de mansinho, a próxima exploração duma mina (oh! que minas nós temos) de estanho, para purificar. // Abraçamos com íntima satisfação o Comendador, de volta da Ribeira. // O amigo Ventura foi para as Caldas de Monção.» (Correio de Melgaço n.º 212, de 20/8/1916).  
 
28.ª - «Senhor Redactor: foi o domingo passado, para nós, um manancial de esperanças, e sabe V. que é da esperança que o homem vive: - desde o imberbe que tem a sua namorada, de quem se julga adorado, até ao velho que, conquanto a todo o momento busque, curvando-se, a sepultura, faz pela vida. Bela e risonha esperança! Inconfundível sonho humano! É que os senhores Joaquim Oliveira, deputado da nação, Dr. Amaro Oliveira, administrador e ex-administrador do concelho, recebedor, Henrique Fernandes Pinto, José Durães e António Esteves, aqueles o presente e estes o futuro, visitaram-nos. Daqueles esperamos que, vistas as nossas reclamações, advoguem, no Congresso, as justíssimas causas que desafiaram as nossas cartas, e que de viso avaliaram, a propagação das nossas belezas horríveis – mas naturais e inconfundíveis… Destes esperamos também e com foros de legalidade que, amanhã, quando forem os homens a que aspiram, se recordem de que Castro Laboreiro, embora terra inóspita (…) alberga dedicações e almas generosas e… que não são à moda das de lá de baixo, rudes, mas belas na sua rudeza. Saibam, pois, S. Ex.ªs que nos confundiram com amabilidades e a distinção que se alia sempre à educação e instrução: - nós queremos escolas, pelas quais havemos sempre pugnado; nós não aspiramos ao caminho-de-ferro, para já, mas as riquezas que contêm os nossos montados cá no-lo trarão, ainda que não seja senão aéreo (…); nós não devemos pagar contribuições (em estado normal, claro – que as da guerra teríamos a menos que no-las dispensassem), porque, esta terra sáfara, precisamos regá-la com o próprio suor dos filhos e das esposas, para nos dar pão para dois meses (…) Que mais dizer? Só recordamos, que os olhos de V. Ex.ªs, mais argutos reconheceram das nossas extremas necessidades. Saía-se da missa do dia, e a voz do Comendador, autoritária e rija, convidou-nos a ir até às Lajes, à espera dos Ex.mos visitantes. Fomos, como bom castrejo, assistimos ao discurso de apresentação de S. Ex.ª, como às suas reclamações, promessas (milho e estrada), desfilamos ordeiramente, na vanguarda de cavalgada, assistimos ao café, em casa do Comendador, que precedeu o almoço, assistimos a este (…) ali mesmo junto à ponte – note-se que, no local, destacavam-se o nosso regedor, a governante do Comendador, este e eu. Depois dos últimos petiscos acompanhamos a simpática caravana ao castelo, entramos pela porta falsa, e vigiamos que alguns dos simpáticos moços e endiabrados nos não namorassem a querida moura que aquelas vetustas muralhas nos hão guardado há tanto tempo… Castro Laboreiro, 24/8/1916.»
// continua...
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

A MINHA RELIGIÃO E OUTROS ESCRITOS
 
Por Joaquim A. Rocha
 
 
 
 
 
A EMIGRAÇÃO E OS EMIGRANTES

 

     Estamos em Agosto de 2005. Todos os anos neste mês, a maioria dos emigrantes, naturais do Alto Minho, vêm visitar a sua terra natal. Os da primeira geração, quando partiram, nos anos sessenta do século XX, levaram na sua bagagem apenas um naco de pão e uns chouriços, ou umas fatias de presunto, e a vontade enorme de amealhar. A França, a Alemanha, o Luxemburgo, entre outros países europeus, além do Canadá, mais raro, era o seu destino. O franco e o marco eram moedas fortes e eles estavam dispostos a sacrificar-se ainda mais para juntarem alguns contos de réis. Não sabiam gastar, por isso a poupança era fácil nesse tempo. O objetivo era construírem na sua terra uma casa e adquirirem mais uns campos de cultivo – estavam fartos de serem pequenos agricultores ou caseiros. No início cozinhavam para eles próprios, tratavam da roupa, residiam em barracas, os chamados bidonvilles. Compravam nos talhos a carne de terceira categoria, as miudezas, aquela que os naturais rejeitavam. Vestiam sempre os mesmos trapos, roupa grosseira, somente ao domingo tomavam banho e mudavam a sua fatiota. Pessoas humildes, habituadas a um trabalho duro, quer no campo quer nas obras, mãos calejadas, estômago atrofiado, logo se adaptaram ao ritmo daqueles países; o mais difícil foi aprender aquelas línguas esquisitas, mas até isso superaram, inventando uma espécie de dialeto. Alguns deles tinham apenas a quarta classe da instrução primária, muitos outros eram analfabetos. Línguas não dominavam nenhuma, nem a sua própria. A sua cultura geral era muito rudimentar. A maioria deles nunca tinha saído da sua freguesia ou do seu concelho. O “salazarismo” regime político que vai de 1933 a 1974 (não levando em linha de conta a ditadura militar que o precedeu, bastante influenciada pelo professor conimbricense), mostrava pouco interesse em promover a cultura dos portugueses; quanto menos estes soubessem melhor seria para os governantes - dessa maneira podê-los-iam controlar mais facilmente. Salazar, simpatizante do fascismo italiano e do nazismo alemão, apoiante ativo de Franco, soube contudo conduzir a política externa portuguesa de molde a não se comprometer com ninguém. Dava uma no cravo e outra na ferradura, e assim ia levando a água ao seu moinho. Quando terminou a segunda guerra mundial, em 1945, esperava-se que o regime caísse estrondosamente, mas os americanos, por motivos estratégicos, seguraram o ditador. O que este concedeu em troca aos ianques toda a gente sabe. Para os americanos pouco importava que os cidadãos lusos sofressem na pele uma ditadura feroz e demoníaca, o que eles queriam, e conseguiram-no, era colocar em solo português algumas bases militares. Os embaixadores da América do Norte tornaram-se quase os donos do nosso país. Ainda hoje não sei por que deixaram concretizar-se o 25 de Abril de mil novecentos e setenta e quatro. No entanto, não permitiram, e ainda bem, que o PCP tomasse conta do poder. Eu, que morava na altura no Bairro da Mouraria, em Lisboa, tive virado contra a casa onde habitava um canhão instalado num vaso de guerra americano! Mas voltemos ao princípio: os emigrantes foram-se, pouco a pouco, adaptando a esses países ricos, dinâmicos, com regimes democrático-burgueses, aos quais deram toda uma vida de trabalho. Eles, que já quase tudo tinham sacrificado ao país, recebendo em troca umas côdeas de pão de milho e um bocado de toucinho rançoso, começavam agora a ver a cor do dinheiro. Em concelhos como Melgaço, Arcos de Valdevez, Ponte da Barca, etc., os camponeses auferiam uns míseros escudos por dez ou doze horas de trabalho diário, e ainda por cima eram tratados pelos médios e grandes proprietários como bestas de carga, quase como escravos ou servos de gleba. Os seus direitos eram praticamente nulos e a prepotência e ameaça eram constantes e pertinazes. Ai daquele que ousasse enfrentar o cacique da terra – era de imediato acusado de comunista, de desordeiro, e a Pide e a GNR logo tratavam dele. O Chefe, com a ajuda dos seus apaniguados, tinha a máquina bem montada, nada lhe escapava. Da capital do país, escondido na sua toca beneditina, tudo dominava. Não contou, porém, com a ousadia dos estudantes africanos. Amílcar Cabral e Agostinho Neto, entre outros, acharam que era altura de baterem o pé ao ditador. Desejavam a autonomia das colónias, liberdade, desenvolvimento económico. O presidente do conselho de ministros, em lugar de os escutar, mandou-os perseguir. Resultado: guerra colonial. Eu, que estive na Guiné-Bissau durante dois longos anos, sei o que isso nos custou. E é sobretudo por causa dessa maldita guerra, em três frentes: Angola, Guiné e Moçambique, que milhares e milhares de jovens fugiram de Portugal. Mais tarde mandaram ir as esposas, os pais, os irmãos… A maioria das freguesias, sobretudo as rurais, ficou sem vivalma. Só os velhos ali ficaram. O fenómeno da emigração já se verificara antes; que eu saiba, no século dezanove, e até nos séculos anteriores, embarcaram para o Brasil algumas centenas de portugueses, mas como esta jamais acontecera. E o ditador perdeu a guerra, porque os cidadãos lhe viraram as costas; mesmo aqueles que residiam nas chamadas províncias ultramarinas, não apoiaram abertamente as suas decisões – preferiam que tivesse havido uma negociação séria, um caminhar lento, mas seguro, para a independência. O mal está feito, não podemos voltar atrás, e por causa disso morreram e ficaram feridas muitas pessoas, quer de raça branca, quer de raça negra, destruíram-se imensos lares, adiaram-se sonhos alcançáveis. E também por causa das asneiras do filho de Santa Comba temos hoje no país centenas de milhar de africanos desadaptados, com problemas sérios, quase apátridas.

     Neste mês de Agosto saibamos nós, os que ficaram, receber de braços abertos os nossos emigrantes. Não os estigmatizemos devido à sua pronúncia ou dos seus modos, dos seus novos hábitos, pois quarenta ou mais anos de estrangeiro são muito tempo, uma vida, e que vida!          

                 Artigo publicado no jornal «Frontera Notícias» nº 14, de 6/8/2005.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

SONETOS
 
Por Joaquim A. Rocha






Regresso da doença crua, vil,

Como quem regressa da tempestade,

Dum fogo eterno, que sempre arde,

Com início no belo mês de Abril.

 
A malvada, sem nome nem perfil,  

Aumentou dez anos à minha idade,

Apagou em mim toda a mocidade,

Roubou-me imensa seiva e ceitil.

 
Não quero ouvir falar da tal ranhosa,

Mais soez do que fera enraivecida;

Mais satânica do que cão raivoso…
 

Tudo farei pra matar a tinhosa,

Pisá-la, mesmo depois de vencida,

Como se fora lacrau venenoso.