terça-feira, 28 de novembro de 2017

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha








CASA DE PARANHÃO

     
     Estas casas fidalgas, ou afidalgadas, eram mandadas construir por famílias com algumas posses, sobretudo famílias com médias ou grandes quintas agrícolas e montes com matos, pinheiros, carvalhos e outras árvores, permitindo aos seus senhores alguns rendimentos, pois até ao século XX os caseiros não eram pagos com dinheiro, mas sim com uma pequena parte daquilo que a terra produzia. Os chamados fidalgos do Minho não tinham títulos de nobreza, não eram duques, condes ou marqueses, um ou outro era barão ou visconde. Na literatura portuguesa existem vários livros falando dessa gente: como viviam, os seus vícios e pecados, as suas virtudes e fragilidades. Autores como Camilo Castelo Branco, Júlio Dinis, e tantos outros escreveram belas páginas sobre este assunto. A Casa de Paranhão foi erguida no lugar de Paranhão, freguesia de Penso, concelho de Melgaço. Em 1808 pertencia a Domingos Esteves Cordeiro e a sua mulher, Francisca Domingas Esteves Cordeiro. Nesse ano, a 25 de Janeiro, um filho deste casal, Domingos Joaquim Esteves Cordeiro, casou na igreja de Penso com Maria Caetana Alves, filha de Domingos Alves e de Maria Lina (ou Maria Luísa) Álvares de Magalhães, da Casa do Crasto (*); (ver “O Meu Livro das Gerações Melgacenses”, volume II, página 119, de Augusto César Esteves). // Uma filha de Domingos Joaquim Esteves Cordeiro e de Maria Caetana Alves, ou Álvares de Magalhães, de seu nome Maria Teresa Esteves Cordeiro, casou na igreja de Penso, a 14/7/1856, com Manuel Luís Gonçalves, filho de Manuel António Gonçalves e de Caetana Rodrigues Vilarinho, do lugar de Telhada Grande, freguesia de Penso. // João Esteves Cordeiro, desta Casa, gerou em Rosa Lourenço, sua conterrânea, uma menina, Ernestina Esteves Cordeiro, que nasceu a 14/12/1881, que perfilhou, a qual veio a casar a 11/2/1899 com João Eugénio da Costa Lucena, natural da cidade de Lisboa; um dos filhos deste casal teve uma ourivesaria na Praça da República, vila de Melgaço, depois de 1950, salvo erro. /// (*) Noutro lado aparece como Casa do Campo.

domingo, 26 de novembro de 2017

GENTES DE MELGAÇO
(micro biografias)
 
Por Joaquim A. Rocha





Casa fidalga de Galvão - vila de Melgaço



CASTRO, Maria Pia. Filha de Gaspar Pereira de Castro, proprietário, natural de Fontoura, Valença, e de Ana Margarida de Sousa e Castro, da Casa de Galvão, Melgaço. Neta paterna de Gaspar Pereira de Castro e de Antónia Micaela de Castro; neta materna de Diogo Manuel de Sousa e Castro e de Maria Bebiana de Abreu Cunha Araújo. Nasceu em SMP (vila de Melgaço) a 12/10/1863 e foi batizada na igreja a 19 desse mês e ano. Padrinhos: Luís de Sousa Gama, governador militar da praça de Melgaço, e Margarida Carolina de Sousa e Castro, solteira. // Devia ter nobres sentimentos, bom coração, pois a 30/6/1887 tomou conta de uma menina muito pobre, Justina Rosa Gonçalves, a qual terminara o tempo do hospício (ver, no Dicionário Enciclopédico de Melgaço, a Casa da Roda). // Em 1913 alguém a acusou de dano, e o juiz da comarca despachou nesse sentido, mas o advogado dela apelou para a Relação do Porto que deu provimento ao agravo por ela interposto (Correio de Melgaço n.º 50, de 19/5/1913). // Casou em 1916 com Francisco Pereira de Sousa, natural de Labrujó, Ponte de Lima, contador do juízo de direito na comarca de Melgaço (Correio de Melgaço n.º 210, de 6/8/1916, e Correio de Melgaço n.º 211). // Enviuvou a 14/2/1919. // Fez doação, com reserva de usufruto enquanto estivesse viva, da Quinta e Casa de Eiró, que herdara de seu marido, ao hospital da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço, para ali se instalar um hospício, ou asilo, para pessoas inválidas e pobres; era a vontade do defunto marido e de seu cunhado, o médico Dr. António Pereira de Sousa (Jornal de Melgaço n.º 1257, de 10/8/1919). Devido a essa doação o professor Sá Vilarinho escreveu o seguinte poema, publicado no Jornal de Melgaço n.º 1269, de 2/11/1919: «Bendita senhora/que sois protetora/do triste ancião;/bendita sejais/que aos pobres dais/agasalho e pão./Mil vezes bendita/porque da desdita/do desventurado/sois vós a primeira/que na vila inteira/vos haveis lembrado./Ai! Como eu queria/ser também, Maria,/companheiro teu,/da tua cruzada,/santa, abençoada,/por crente e ateu./E poder gozar/o prazer sem par,/o prazer que têm/os bons e os santos,/que enxugam prantos,/que só fazem bem./Mas, de cada dia,/ganho o pão, Maria,/não posso senão/dar aos velhos pobres,/plebeus ou nobres,/só o coração./Ser rica e nobre/para dar ao pobre,/é bela a riqueza,/mas dar aos velhinhos/são os pergaminhos/da maior nobreza./Que o asilo teu/que te leva ao céu/seja já aberto,/para receber/os que de morrer/já se acham perto./Não deixeis de ouvir/este meu pedir,/feito de joelhos;/Dai em vossa vida,/dai-lhes a guarida/aos pobres velhos.» // Faleceu na Casa de Galvão a 25/11/1935. // Sem geração.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

SONETOS DO SOL E DA LUA
 
Por Joaquim A. Rocha






                                                              A GRAÇOLA

(148)

 

 

Naquela minúscula oficina

Vê-se um rapaz a endireitar tacha,

Aos sapatos e botas põe-lhe graxa,

Cumprindo ordens, a sua rotina.

 

Na rua passa uma linda menina,

Levando à boca uma bolacha;

O moço atira-lhe uma chalaça,

Mas a ela não agrada, e afina:

 

«Seu maroto, atrevido, canalha,

Eu sou descendente de gente bem,

Não sou como tu, escumalha…

 

Tu, coitado, um pobre Zé-Ninguém, 

Jamais serás da minha igualha…

Vales menos do que reles vintém

 

domingo, 19 de novembro de 2017

LEMBRANÇAS AMARGAS
(romance)
 
Por Joaquim A. Rocha



desenho de Rui Nunes
 



As vias sinuosas encaminham-nos para o cais

 

     Apercebi-me, embora tardiamente, que a minha jovem namorada mudara o seu comportamento para comigo. Várias pessoas já sabiam nessa altura que ela e o Artur iriam casar; eu, porém, tudo ignorava, e nem sequer queria acreditar nessa possibilidade. «Cândido, meu pobre amigo, tu eras, nessa altura, um triste poeta, um sonhador.» Sejam ousados e aproximem-se: 

 

- Bera, não sei o que se passa contigo, não tens aparecido, ias à minha oficina todos os dias, a tua tia também já não vai com tanta frequência, a tua prima Guida já não me fala como antes, o que está a acontecer?!

- Nada, é impressão tua, escusas de estar preocupado, tenho tido muitíssimo trabalho, agora tenho ido com a minha mãe vender, praticamente não me sobram tempos livres, só nos fins-de-semana, mas até neste domingo tive de trabalhar, desculpa não ter aparecido, temos muito tempo para estarmos juntos, uma vida inteira.

- Pareces-me diferente, fisionomia carregada, a tua alegria contagiante desapareceu, nota-se em ti imensa preocupação, passa-se alguma coisa ruim, anda lá, diz-me, conta-me tudo, confia em mim.

- Estás a imaginar coisas, sou a mesma, só que ando maçada, temos de sair cedo de casa, a minha mãe anda outra vez grávida, já não se esperava este filho, a vida complica-se, mais uma boca para comer, já sabes como é, só preocupações.

- Correm por aí uns rumores, eu não acredito, estava bem arranjado se ligasse a tudo que dizem, eu em ti confio, pudera! Não havia de confiar naquela que vai ser a mãe dos meus filhos, a companheira de muitos anos, até parecia mal.

- Deixa essa gente falar, não têm nada para fazer, se tivessem não lhes sobrava tempo para se meterem na vida dos outros, olha que a tua mãe também anda a dizer coisas de mim, mas essa, coitada, é com a pinga, se não fosse o vinho já não diria esses disparates, que ela a mim não pode apontar nada, devia-se olhar no espelho, mas eu não lhe ligo, que fale.

- Sabes o que estive a pensar? 

- O quê?!

- Quando voltar da tropa e tiver algum dinheiro abrimos uma sapataria maior e melhor, com venda de calçado novo, as que há no concelho não prestam, as pessoas começam a ter dinheiro da emigração e já podem comprar, que dizes?

- Acho boa ideia, mas para abrires uma sapataria dessas será preciso muito capital, isso vai levar anos.

- E não disseste tu, há pouco, que temos muitos anos à nossa frente?

- Não cries ilusões, só na tropa vais botar pelo menos três anos, como sabes há rapazes que botaram quatro, depois vens sem um único tostão, que na tropa gastam o que têm e o que não têm, pensas que aquilo é a França, lá sim, ganham muitos francos, aqui nem para comer se ganha.

- Eu sei que tu tens razão, mas deixa-me sonhar um pouco, somos tão novos, não nos podemos comportar e pensar como se tivéssemos cinquenta anos de idade, a vida dá muitas cambalhotas e o futuro a Deus pertence, pode ser que as coisas melhorem, a guerra colonial pode acabar de um momento para o outro, eu tenho esperança que sim, tu não sejas pessimista, enfrenta o devir com otimismo.

- O que eu vejo em casa é cada vez mais miséria, mais carências, o meu pai adoeceu, não foi trabalhar durante um mês, não ganhou nada durante esse período, a minha mãe trabalha como uma escrava, os meus irmãos são ainda pequenos, só comem, não ajudam nada, eu faço o que posso, até já pensei oferecer-me como criada de servir, mas as casas dos senhores têm todas empregadas, algumas são de fora, coitadas, na aldeia delas também passam necessidades, o que farei?! Não me agradava deixar a terra.

- Nem eu permitia isso, nem que casemos antes de eu partir, mas depois também ficarias com a minha mãe, sabes como ela é, todos os dias aquilo, aquela bandalhice, nem te irias sentir bem, vê se aguentas até eu regressar.

- Peço a Deus e à Virgem Maria que me ajudem, que iluminem o meu caminho, só um milagre poderá melhorar a minha vida.

- Hoje estás impossível, nem te reconheço.

- Achas que é caso para menos? Tenho de ir, porque amanhã levanto-me cedo e tenho de dormir algumas horas, até depois.  

- E vais assim, se um beijo ao menos?

- Hoje não estou com disposição para essas coisas, sinto-me cansada e triste, é melhor ires já embora.

- Está bem, está bem; hoje nem te reconheço. Até amanhã.

 - Se Deus o quiser.

 
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VENDA DE LIVROS DO AUTOR

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO, I            10.00
DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO, II          10.00
LINA - FILHA DE PÃ (romance)                                             10.00
OS MEUS SONETOS e os do Frade  (poesia)                          10.00
OS NOVOS LUSÍADAS (no prelo)                                          11.00
              
Nota: estes preços, apenas para Portugal continental, já incluem as despesas com o seu envio. // O contacto far-se-á através do seguinte e-mail: joaquim.a.rocha@sapo.pt


quinta-feira, 16 de novembro de 2017

OS NOSSOS HERÓIS
 
Por Joaquim A. Rocha







COSTA, Manuel Joaquim. Filho de -------------- Costa e de --------------------------------------. Nasceu em ---------------- a --/--/1---. // A 21/7/1917 fez exame do 1.º grau na escola de Paderne, Melgaço, com o professor António Dâmaso Lopes, obtendo a classificação de «bem» (Jornal de Melgaço n.º 1168). // Nota: é provável que seja o mesmo indivíduo de quem fala o Jornal de Melgaço n.º 1260, de 31/8/1919, acerca de um incêndio: «Nisto aparece um rapaz, talvez de 26 anos, descalço, em mangas de camisa, e, sem chapeu, que numa latada ficou pendente ao passar, e não sei como com o chapeu não deixou a vida, em virtude da rapidez com que percorreu a distância de Crastos, onde andava a regar milho, à Portela, onde se deu o sinistro. Esse rapaz, que é um valente, arrojado e perspicaz, pede água e primeiramente com ela molha completamente o seu fato, despejando dois cântaros pela cabeça abaixo. Em seguida pede que lhe dêem água com fartura e com dois canecos em cada mão trepa pela segunda casa, parece que com a mesma facilidade com que eu trepo na rua, não se importa de que as chamas o rodeiem, causando admiração o não ter morrido asfixiado, e apesar de todos lhe gritarem: «foge Manuel», parece que nada ouvia, e deita abaixo o resto da telha da primeira casa, corta uns paus que sob o telhado conduziam o fogo à segunda, desta deita abaixo bastante telha, conseguindo assim localizar o fogo que, se o Manuel não fora, indubitavelmente devoraria não só uma, senão seis casas! Esse valente, que bem merece o nome de herói, chama-se Manuel Joaquim da Costa // (Grilo).
 
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VENDA DE LIVROS DO AUTOR
 
DIC. ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO, I             10 euros
  "                  "                  "            "        , II            10   "
LINA - Filha de Pã (romance)                                 10   "
OS MEUS SONETOS e os do Frade                      10   "
OS NOVOS LUSÍADAS                                           11   "
 
Nota: nestes preços já estão incluídos os custos de envio (apenas para Portugal continental).
   
     Os pedidos devem ser feitos através do seguinte e-mail: joaquim.a.rocha@sapo.pt
 
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segunda-feira, 13 de novembro de 2017

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha


 
 
Macróbios
 
     Macróbio é sinónimo de idoso. Quando estive no serviço militar, na tropa, ouvia constantemente dizer: «a velhice é um posto». Os mais velhos, só por esse facto, mereciam o respeito dos mais novos. Claro qua agora as coisas estão um pouco diferentes, mas apesar dessas mudanças os velhotes ainda são de certo modo respeitados. Nem tudo na velhice é bom: as pessoas vão ficando dependentes dos mais novos, dos cuidados médicos e de enfermagem, perde-se por vezes a memória, as pernas deixam de ter a antiga agilidade, os músculos e os ossos vão dando sinais de cansaço. É o ciclo da vida. Quem nasce, nasce para viver e morrer. Antigamente a média de vida era baixa, quase todos os seres humanos faleciam com pouco mais de sessenta anos de idade. Agora, século XXI, chega-se aos noventa, cem anos, com alguma frequência. Morrer com cento e dez anos já não é notícia sensacional. O prolongamento da vida está na moda.  Em Melgaço quase todos os seus habitantes perecem já com quase um século de existência! Bons ares, boa comida, uma vida calma, uma ótima pinga, ajudam a resistir mais uns anitos.     
 
 
*
 
 
PEREIRA, Rosa. Filha de Inácia Pereira, solteira, jornaleira, moradora no lugar de Pomar. Neta materna de Manuel António Pereira e de Ana Maria Esteves. Nasceu em Penso a 24/3/1890 e foi batizada a 30 desse mês e ano. Padrinhos: o presbítero Manuel José Alves Afonso Pinheiro, de Sá, Monção, e Rosa Esteves Pires, solteira, jornaleira, de Pomar, Penso. // Casou na 4.ª Conservatória de Lisboa a 18/10/1917, com (Armelim?) da Silva. // Enviuvou a 4/11/1944. // Faleceu em Alcântara, Lisboa, a 13/1/1987, com 96 anos de idade.

 *

REGUENGO, Ermesinda da Purificação. Filha de Manuel Esteves Reguengo, lavrador, natural de Penso, e de Gomesinda Rosa Afonso, lavradeira, natural da freguesia de São João de Sá, concelho de Monção, moradores no lugar de Pomar. Neta paterna de Domingos Esteves Reguengo e de Maria Luísa Vilas; neta materna de Manuel Luís Afonso e de Maria Luísa Gonçalves. Nasceu em Penso a 15/4/1907 e foi batizada na igreja a 21 desse mês e ano. Padrinhos: Bernardino Pires e Rosa Esteves Reguengo, solteiros, camponeses, naturais de Penso. // Casou na CRCM a 15/11/1930 com Capitolino da Rocha. // Enviuvou a 24/5/1935. // Faleceu em Barro Pequeno, Penso, a 12/5/1997, com 90 anos de idade, no estado de viúva. // Mãe de Darcílio Estêvão, residente em Lisboa, e de Ilda das Dores, casada com José Solha.  

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VENDA DE LIVROS

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO, I       10.00 
          "                            "                           "        , II       10.00
LINA - Filha de Pã (romance)                                          10.00
OS MEUS SONETOS E OS DO FRADE                        10.00
OS NOVOS LUSÍADAS                                                  11.00
 

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

A MINHA RELIGIÃO E OUTROS ESCRITOS
 
Por Joaquim A. Rocha
 
 
 
Prefácio
 

     Um religioso não pode ser humanista, porque não simpatiza com aqueles que não abraçam a sua crença; um humanista gosta de todos, independentemente da religião que eles tenham.

     Desde criança que o tema me atrai, mas foi a partir de 1966, quando fui mobilizado para as matas da Guiné-Bissau que esse interesse aumentou exponencialmente. Certo dia, em Bolama, um padre católico incitava as tropas a combater ferozmente contra os “turras”, ou seja, contra os guerrilheiros do PAIGC. O sacerdote tinha nos seus braços uma metralhadora G3 e parecia disposto a usá-la. Eu fiquei a pensar nisso. Quando eu era pequeno, na minha terra, Melgaço, quase todos os padres católicos eram simpatizantes, e até militantes, do regime corporativista de Salazar e Marcelo Caetano; a maior parte desses sacerdotes vestia a farda de legionário, apesar de alguns serem miniatura de gente, como era o caso do padre Justino Domingues, natural de Parada do Monte, pároco da Vila de Melgaço, sede do concelho, a partir de 1944, que não chegava a metro e meio de altura. Não tinham a noção do ridículo, e esqueciam-se de que um padre de uma qualquer religião não deve tomar partido por este ou aquele regime.       
     Em princípio todos nós somos ateus. Se eu perguntar a um católico se acredita em Alá, certamente vai dizer-me que não, para ele só existe um deus: o pai de Jesus Cristo. Logo, se não acredita no deus dos muçulmanos, para estes o católico é um ateu. 

     As religiões nasceram todas elas devido ao medo, ao receio que as pessoas têm do que se vai passar depois da morte. Alguns oportunistas aproveitaram-se desse facto e começaram a ganhar dinheiro e ter influência na sociedade.

       Existem tantos deuses quantas as religiões. Quem leu a bíblia, antigo testamento, verifica que Jeová se diz deus do povo judeu; mesmo hoje, século XXI, os israelitas acreditam no seu deus, Jeová, e esperam pacientemente pelo messias. Para os judeus, Jesus Cristo não passa de um profeta, um ser humano com alguns dotes oratórios. O problema dos crentes é acreditarem em seres que não existem, pois foram inventados pelos próprios humanos.
      Se os seres humanos acreditassem a sério na existência dos deuses não cometeriam tantos crimes, pois ficariam sujeitos a penas severas. Há muita hipocrisia nestas crenças. As igrejas, a católica e tantas outras, organizaram-se e hoje gerem grandes empresas financeiras, são donos de vários canais de televisão, rádios, jornais, revistas, etc.   



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VENDA DE LIVROS DA MINHA AUTORIA


LINA - Filha de Pã (romance)                                                                   10 euros
OS MEUS SONETOS e os do frade (poesia)                                           10 euros
DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO - vol. I                          10 euros
          "                          "                "           "          -   "   II                         10 euros
OS NOVOS LUSÍADAS (a sair brevemente)                                           11 euros 

Nota: nestes preços já está incluído o custo dos correios (apenas em Portugal continental). Os pedidos devem ser feitos através do e-mail: joaquim.a.rocha@sapo.pt

terça-feira, 7 de novembro de 2017

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha 






UM DIA INESQUECÍVEL

 

 

     La Palice, o oficial francês que inventou a “verdade”, diria: «todos os dias são iguais, pois todos eles têm vinte e quatro horas.» No entanto, a verdade desse senhor nem sempre corresponde à nossa própria verdade. Naquele dia 11 de Março, um sábado primaveril, esquecidos que já estávamos daquele outro 11 de Março que tanto mudou Portugal, para melhor e para pior, seguíamos nós: eu, o Ilídio de Sousa (Carriço), e o meu irmão José Rocha, em direção à casa do nosso grande amigo Acácio Caetano Dias. Eu tinha telefonado ao Acácio, dias antes, a convidá-lo para nos encontrarmos todos numa cervejaria ou na Casa do Alentejo (tão diferente da Casa do Minho) mas ele foi perentório: «vêm almoçar a minha casa no sábado, 11 de Março!» Já lá tinha ido em Fevereiro. Não seria abuso da minha parte aceitar este convite? Como dar-lhe a volta sem melindrar o amigo e sua esposa que tão bem me receberam? Fiquei entre a espada e a parede. Não lhe disse sim, mas também não lhe disse não. Que fazer? Endossei o problema ao meu irmão e ao Ilídio. Que diabo! Este queria conhecer o grande artista melgacense e o meu irmão tem-lhe uma grande amizade – eles que resolvessem. Decidiram; iríamos a casa do Acácio. Telefonei rapidamente à senhora, pedindo encarecidamente que fizessem uma refeição conventual, franciscana, um pratinho simples e uma sopa de couve-galega para encher a barriga àqueles comilões. Chegámos à estação da Parede por volta das treze horas. À nossa espera estava o Acácio e um senhor que não me era totalmente estranho, Tinha, pelo menos, cara de conterrâneo. Diz imediatamente o meu irmão: - «olha quem ali está; o Álvaro!» Nem mais, nem menos, o senhor Álvaro, ex-agente da PSP e aposentado do Banco do Brasil. Que fazia na Parede aquele nosso conterrâneo? Estranhei. Cumprimentamo-nos efusivamente, apresentei o Ilídio a ambos, e perguntei ao Álvaro o que fazia ali, tão longe de Rouças, onde possui uma belíssima vivenda. Qual não foi o meu espanto ao saber que morou muitos anos nesta freguesia do concelho de Cascais, onde mantém ainda residência! Que sabemos nós dos melgacenses? Nada, ou quase nada! Seguimos no seu automóvel (o Acácio é como eu, não gosta de conduzir) e conversando amigavelmente aproximámo-nos da linda vivenda do nosso anfitrião. É inconfundível: junto à entrada perfila-se a estátua de D. Quixote, herói e anti-herói da nossa infância; outras estátuas, feitas a partir de vários materiais, indicam-nos que estamos perante a casa de um artista. Logo que chegámos fomos recebidos pela senhora D. Teresa, esposa do Acácio, acompanhada de outras pessoas, que eu há muito tempo não via, mas que no fundo não me eram totalmente desconhecidas. Olhei bem. Aquelas caras eram-me familiares. Pois não! Tratava-se, nem mais nem menos, do senhor Manuel Duarte Almeida (Manuel do Jacob) e de sua esposa, D. Maria Amélia. Que bom tê-los encontrado. Eles que conheceram tão bem os meus avós Libânia e Belchior. - «Tempos difíceis aqueles; a gente asfixiava em Melgaço. Muita boca para tão pouca comida. Tivemos de partir. A nossa terra só para visitar», comentaram. Quem somos nós para retorquirmos, contradizer os mais velhos, os que sofreram na pele as carências, a falta de conforto, a insegurança? Nós de outra geração, também sacrificados, mas, apesar de tudo, com perspetivas diferentes no horizonte, não temos autoridade, nem saber, que nos permitam esboçar sequer um gesto de desacordo. Não vale a pena dramatizar. Se um dia tiver fôlego e ciência escreverei pormenorizadamente sobre a vida em Melgaço na primeira metade do século XX.

     De casa saiu também um casal jovem, sorridente, que logo se apresentou: Clementina Dias, filha do Acácio, e seu marido, Francisco Ramalho. Este jovem casal tem duas filhas: a Inês e a Rita, ambas bonitas e de olhar inteligente. Tanta gente! Algo se estava a passar! Cheirava-me a “partida”. Talvez não. Com as senhoras ali o Acácio não arriscaria. O melhor seria aguardar. O dono da casa ordenou amavelmente: - «Todos para dentro dos carros.» Rolámos estrada fora durante uns vinte minutos; parámos junto a um restaurante. Entrámos para uma ampla sala e verificámos que as mesas já estavam reservadas. Nelas até já se encontravam algumas pessoas. Foi aí que eu descobri – o Acácio fazia anos! E teve a coragem de nada nos dizer! Depois de uma refeição abundante e muito bem servida, aparece o tradicional bolo de aniversário. O Acácio comemorava sessenta risonhas primaveras. Cantámos, comovidamente, os parabéns a você. A festa de aniversário é para mim um pretexto para a família e os amigos se encontrarem. Foi o que aconteceu. Momentos assim recordam-se para sempre. O Acácio, como ótimo conversador que é, contou-nos vários episódios da sua vida, sobretudo os mais marcantes. Estas narrativas, nas bocas dos artistas, fazem-nos lembrar as histórias das «mil e uma noites», recheadas como são de peripécias quase absurdas; mas a realidade e a ficção sempre se misturaram para tornarem a verdade menos cruel e a mentira mais aceitável. Vou contar-vos uma dessas ”histórias”, aquela de que eu mais gostei. Começa assim: - «Os meus chefes do Banco mandaram-me acompanhar outros colegas à cidade do Porto a fim de executarmos determinado trabalho. Pagar-nos-iam as passagens e dar-nos-iam certa quantia para pagar as refeições e a dormida. Pois bem! Eu gastei o dinheiro com a comida e com uns extras a que não resisti. Veio a noite e eu sem dinheiro, apenas uns trocos. Os meus colegas disseram-me que iam dormir numa pensão ali perto. Eu disse-lhes (não querendo revelar-lhes a minha falta de dinheiro) que iria mais tarde, pois ainda tinha de ir visitar uns parentes - talvez até lá dormisse. Comprei um jornal e atirei-me freneticamente às páginas da necrologia. Lá estava! Um velório de pessoa rica. E com o apelido Caetano. Vinha mesmo a calhar. Para lá encaminhei meus passos. Como andava de luto por meu falecido pai não me foi difícil aparentar um certo desgosto – não era, podem crer, fingimento.

     Dirigi-me ao esquife, destapei a cara do morto, executei todos os atos inerentes a estes casos, e retirei-me discretamente. Uns senhores (mais tarde soube que se tratava de um médico e de um engenheiro) vieram ter comigo, lamentando o falecimento do seu querido amigo e parente. Levaram-me para uma sala contígua e serviram-me bebidas e bolos. Comi e bebi com moderação e respeito – não me podia esquecer que estava em casa de gente fina. Indicaram-me um sofá e pediram-me que descansasse um pouco, visto que a noite ia avançada. Ainda me fizeram algumas perguntas, às quais respondi com um relativo à-vontade, tendo em conta que já tinha estado anos antes a trabalhar no Porto. Ousei informá-los de que tinha estudado no Colégio Garrett e logo um deles me disse que também um dos seus filhos lá tinha estudado - «que coincidência!» Como eram pessoas educadas não faziam perguntas embaraçosas. Dormi não muito longe do defunto e durante o resto da noite só houve um pequeno senão: a cera das velas ia-me caindo lentamente no casaco! Acordei ainda cedo, dirigi-me à sala de onde vinha aquele cheirinho a café e torradas e tomei um pequeno-almoço farto. Os mesmos cavalheiros da noite anterior dirigiram-se-me novamente, dizendo que os seus afazeres profissionais não lhes permitiriam acompanhar o infeliz até à sua última morada. – «Também eu tenho de me retirar», disse-lhes. «Tenho de regressar a Lisboa sem falta; tive imenso gosto em conhecê-los, embora penalizado por ter sido nestas circunstâncias; espero voltar a vê-los

     Os meus colegas esperavam-me; pareciam irritados. - «Estamos todos picados das pulgas! Maldita pensão, barulhenta e porca.» - «Pois eu, meus caros amigos, passei uma noite razoável.» E contei-lhes a história. Riram, e até choraram de tanto rir. Quando chegamos ao Banco não resistiram e acabaram por contar tudo a toda a gente. Um dia o Administrador Geral chamou-me. - «Senhor Acácio: chegaram até mim rumores de uma fabulosa história; queira recontá-la.» Eu tremia como varas verdes. Que iria acontecer? Enchi-me de coragem e narrei o episódio como se tratasse de um filme tipo siciliano. O Administrador ia rebentando a rir. - «Senhor Acácio, o senhor é incrível; não volte a fazer tal, se tudo aquilo que me contou é verdade. Já imaginou como ficaria o prestígio do nosso Banco se aquelas pessoas viessem um dia a descobrir a tramoia

     O Acácio é assim; inventa histórias camilianas e quase nelas nos faz acreditar.

              

                                     Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1027, de 15/4/1995.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

ENTRE MORTOS E FERIDOS
(dois anos de guerra na Guiné-Bissau)
 
Por Joaquim A. Rocha
 
 
 
 
 
// continuação...
 
 
     Depois desta conversa fiada, amigo Henrique, quase me ia esquecendo do ano de 1966 e da Guiné-Bissau. É nesse território e nesse tempo que devo permanecer e não me obrigues, peço-te encarecidamente, a fugir à minha história.

     Pois bem: depois de umas horas de barco, viatura e algum trajeto a pé, lá chegamos a Cufar, ao nosso famigerado “quartel”. Abraçamos comovidamente os colegas que tinham ficado, tomámos uma banhoca sob os bidões previamente esburacados para o efeito, comemos uma refeição quente e deitámo-nos. Logo que acordei, li as cartas dos familiares e das madrinhas. Trouxe uma delas para ler. Queres…?

- Estou em pulgas…

- Ouve então, por favor:  

    

Querido afilhado
 

                           Recebi a sua carta e peço desculpa de só agora lhe responder, mas como tenho muito serviço, naturalmente que me compreende e perdoa. Neste momento não lhe posso mandar a minha foto, pois é impossível; como estou empregada, quando saio do emprego já os estúdios dos fotógrafos estão fechados, e por isso vai ter de esperar. Aproveitarei um dia que saia mais cedo… Para a próxima carta mando-lha, está bem?

                  Então como tem passado? Deus queira que quando esta receba esteja de boa saúde, esse o meu ardente desejo; olhe que, todas as noites, rezo por si e por todos os soldados que lutam aí. Daqui foram muitos para a Guiné, Angola e Moçambique, felizmente não lhes aconteceu mal nenhum, alguns já eram casados quando foram, desses ainda tinha mais pena, porque já possuíam um lar e filhos, e não sabiam se voltariam ou não.

               Neste bocadinho de espaço vou falar-lhe um pouco do meu passatempo favorito: gosto imenso de coleccionar fotos de artistas, tanto nacionais como estrangeiros, sou associada do clube de fãs do Conjunto Académico de João Paulo, já tenho imensas fotografias deles. Para mim são os melhores. Já ouviu falar? Claro que já – quem não ouviu? Também gosto de ouvir cantores estrangeiros e de ver cinema.

     Por hoje é tudo. Receba muitos abraços da madrinha muito amiga – e talvez a mais novinha!

                                                                          Fernanda 

 
 - Ela desconfiava que o meu amigo Cândido tinha outras madrinhas de guerra!

- Julgo que não. Ela estava a tirar nabos da púcara: queria saber se namorava, se me escrevia com outras… Faz parte da psicologia feminina.

- Mas pensa que ela queria namorar consigo?

- Não sejas impaciente; aguarda as próximas cartas. Agora vou prosseguir, se me deres licença: ainda estivemos na “terra da morte” mais uns dias. Fizemos algumas incursões na selva, não com a envergadura da outra, houve alguns recontros com a guerrilha, sem graves consequências, andámos novamente muito perto da aldeia dos macacos, fomos uma ou outra vez a Catió, abatemos uma serpente com vários metros de comprimento, corpulenta, que se tinha atravessado no nosso carreiro, pregando-nos um enorme susto, pois nunca tínhamos visto nada igual, nem no Jardim Zoológico, e corria a lenda de que estes répteis engoliam pessoas! Finalmente apareceu uma Companhia para nos substituir. O nosso destino seria o norte: as densas matas de Teixeira Pinto (Canxungo), Calequisse, Caió, Bula, Cacheu – uma vasta zona.

 
*
               

15.º Capítulo


TEIXEIRA PINTO

 

       Esta Vila ostentava o nome do major João Teixeira Pinto (1876-1917), «herói da ocupação militar da Guiné». Em 1912 era Chefe do Estado-Maior. Em 1917, quando decorria a primeira guerra mundial, dirigiu-se a Moçambique, onde morreu numa batalha contra os alemães. O PAIGC retirou essa designação logo que a Guiné-Bissau se tornou independente e baptizou-a de Canxungo.

 
     Cândido, depois de ter gozado umas curtas férias no Alto Minho, encontra de novo o amigo e prossegue a sua narrativa:


- Nesta região, onde a agonia e o sonho se entrecruzaram, habitavam em grande número os manjacos. Além desta etnia, havia também os mancanhas e felupes. Estes últimos, que predominavam na outra margem do rio Cacheu, usavam como armas de caça apenas arcos e setas, cujas pontas envenenavam para a presa não lhes escapar no caso de ser atingida.

     Nessa Vila deparei com alguns indivíduos que me pareceram indianos ou paquistaneses, mas que depois me disseram ser naturais do Líbano: dedicavam-se ao comércio, na comprida avenida, cerca de um quilómetro, à volta da qual tudo girava; aí havia também uma pequena igreja católica, uma escola do ensino primário, e os lupanares!

     Raros eram os autóctones que se vestiam à europeia: apenas uma raquítica tanga cobria as suas partes pudendas. Raríssimos também aqueles que falavam a língua portuguesa: somente os que conviviam mais assiduamente com brancos, ou exerciam atividades como seus empregados.

     Os guineenses, duma maneira geral, estavam demasiado afastados da civilização ocidental.

- Como é possível, depois de séculos de permanência portuguesa! – exclama Henrique, quase furioso.

- Os portugueses não penetraram no coração de África como o fizeram no Brasil. Preferiram, por razões de segurança, manter-se no litoral, perto da costa, onde haveria sempre um barco que permitisse a fuga em caso de necessidade. Os negros são, de longe, mais perigosos do que os índios.

     Ao longo de milénios, estes povos viveram isolados e a bem dizer só a partir dos anos sessenta deste século XX, e devido à guerra colonial, é que a tropa entra nessas densas matas africanas e contacta com as tribos do seu interior.

     Muitos portugueses ainda hoje estão convencidos de que na Guiné-Bissau apenas existia um grupo homogéneo - «o negro da Guiné lava a cara com café». Isso é completamente falso e fantasioso. Existiam, e ainda existem, variadíssimas etnias, com culturas próprias, com chefes distintos, ocupando zonas diferentes, que defendiam, com unhas e dentes, dos eventuais ataques das outras tribos. Muitos desses grupos étnicos não se entendiam entre si, guerreavam, se motivo houvesse para tal, e não falavam a mesma língua! Uns falavam o balanta, outros o fula, o manjaco, o mandinga, o felupe, o baiote…

- E a língua portuguesa…

- O crioulo e o português começavam a desempenhar o papel de línguas de aproximação entre eles, e entre eles e os europeus.