domingo, 6 de maio de 2018

LINA - FILHA DE PÃ
(romance)
 
Por Joaquim A. Rocha



 
 
 
5.º capítulo (continuação)
 
 
     A notícia correu célere. Tinha havido um acidente no rio Minho. Um dos homens dos contrabandistas perdera a vida, ao cair da pequena embarcação. Mal sabia nadar, a corrente era intensa, e não resistiu. Correu a seguir outra versão: a batela ia demasiado cheia, a carga fora mal distribuída, e por isso tombou; salvaram-se os mais fortes. Logo se soube que a vítima fora o infeliz Mário. Pobre rapaz: fora enganado pela Lina e pelo Juiz, a irmã pusera-o fora de casa, passara fome, e agora a morte por afogamento! Nascera sem dúvida sob o signo da desgraça.

- E agora a criança?! – perguntavam os moradores da Vila.

- Coitadinha, o pai biológico abandonou-a e agora morre o seu protector. Pobre criancinha, que irá ser dela? 

     A família do defunto reuniu e decidiram levar a Lisete para casa da sua avó materna. Era gente paupérrima, simples camponeses, mas de qualquer maneira estaria lá melhor do que com a mãe, uma verdadeira galdéria, uma anarquista no mau sentido.
     Ainda nesse dia resolveram levar a catraia. A avó, relativamente nova em idade mas velha fisicamente, alquebrada, quando viu a neta abriu os braços e disse:
- Minha netinha! Ficas aqui connosco, não te há-de faltar uma malga de caldo para comeres.  
     Os da Vila tinham-lhe contado toda a tragédia: a odisseia e morte do parente, o desinteresse da Lina pela filha, enfim todo o drama daquela gente.
 
- A minha filha tem-me desiludido muito. Dizem-me que em todas as casas onde tem servido arranja sempre problemas: amiga-se com o patrão, diz mal da senhora, enfim, uma peste. Aqui já não vem há muito tempo; não tem saudades nossas!
 
- Nós ficávamos com a Lisete – diz a irmã do Mário – mas também somos pobres, não podemos criá-la; além disso, como sabe…
- Não é filha do seu defunto irmão, nós sabemos. E eu que lhe pedira para respeitar o Senhor Doutor Juiz, a galdéria foi-se meter com o patrão na cama, uma criança, apenas com dezasseis anos de idade. Que esperava, a estouvada? Que o Senhor Doutor casasse com ela? Que a levasse com ele para outra terra? Ela não sabia, a parva, que o Senhor Doutor Juiz é de famílias distintas, ricas, e que só quis brincar com ela, aproveitar-se da sua pouca idade e experiência? Pobre Lisete, nunca na vida dela verá o seu pai, e por nós nunca saberá quem ele é, pois o seu nome não será pronunciado nesta casa!
 



     Os anos foram caminhando paulatinamente. Acabada a guerra civil de Espanha, em 1939, uma autêntica carnificina, irmãos contra irmãos, filhos contra pais, crimes hediondos, tudo arrasado, por ordem de Franco, filho querido de Satanás, começara logo a seguir a II Grande Guerra, iniciada pelo abominável carniceiro, chamado Adolfo Hitler, que destruíra a Europa central. Milhões de pessoas morreram ingloriamente e outras tantas ficaram feridas e inválidas. O ser humano ficou de rastos psicologicamente. Como fora possível tamanha matança, tanta destruição, tanto desprezo e indiferença pela vida humana?! 

     Portugal desta vez não entrou na Guerra. O governo achou por bem não tomar partido abertamente. Toda a gente sabia que Salazar, disfarçadamente, apoiava Hitler e o seu modelo de sociedade; apoiava também Mussolini e o seu arquétipo fascista, mas por outro lado não queria esquecer o tratado que o nosso país fizera há séculos com a Inglaterra. Estavam em causa interesses nacionais, sobretudo os territórios ultramarinos, cuja riqueza começava finalmente a dar nas vistas.

     Os alemães tinham espiões em Lisboa, tal como ingleses e outros. O ditador português jogava o seu próprio jogo, ora negociando com uma parte, ora com a outra! No final, aqueles que ganhassem a guerra, estar-lhe-iam gratos. E assim aconteceu. Quando toda a gente esperava que os vencedores criassem uma democracia em Portugal, eis que a política interfere e tudo fica na mesma. Salazar tinha razão: o pouco que fizera pelos aliados chegara para salvar o seu lugar no poder. Podia continuar a desenvolver o seu modelo corporativista, a aniquilar os seus adversários, a coarctar a liberdade dos cidadãos.  
 
 


 


 

 


 


 



 



 




 




 




 





 





 





 







 
 
 
 
 
 
 

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